Foto: Mônica Braga-Produtora cultural cigana

Por Danilo Tavares*

Aproveito este dia para contar a vocês sobre uma decisão iminente da prefeitura de São Vicente e de alguns conselheiros do Conselho Municipal de Promoção de Igualdade Racial, em conchavo com o governo de Kayo Amado, de construir uma nova gruta para Santa Sara Kali no morro da Biquinha, muito próxima da estátua do Padre Anchieta, que representa um grave erro de política cultural.

Essa ação não só desrespeita as tradições religiosas e culturais ciganas, mas também compromete um espaço de valor cultural imaterial da cidade. Essa semana iniciaram alguma obra na praça.

A tradição de Santa Sara Kali

Santa Sara Kali é uma figura central na espiritualidade e cultura cigana, venerada como padroeira dos ciganos. A tradição de colocar sua estátua de frente para o mar é rica em significado, representando proteção, purificação e uma conexão espiritual com as águas. Em São Vicente, a gruta de Santa Sara Kali, situada dentro do Ilha Porchat Clube, foi estabelecida de acordo com essa tradição, graças ao esforço contínuo da produtora cultural cigana Mônica Braga.

A luta de Mônica Braga

Mônica Braga tem lutado incansavelmente por anos para obter a autorização da prefeitura para transferir a gruta com a estátua de Santa Sara Kali para a Praia do Itararé, no “Canto do Ilha” mesmo, tornando-a acessível ao público e respeitando a tradição de estar de frente para o mar. É difícil isso? Penso que não. No entanto, a administração atual, liderada pelo prefeito Kayo Amado, continua a negar esse pedido, demonstrando um claro desrespeito pelas práticas culturais ciganas.

A proposta controversa

A recente proposta de construir uma nova gruta no morro da Biquinha é problemática por diversas razões:

  • Desrespeito à tradição: Colocar a estátua de Santa Sara Kali no pé do morro desrespeita a tradição de mantê-la de frente para o mar, um elemento central na veneração da santa.
  • Descaracterização do espaço cultural: O morro e a Praça da Biquinha são pontos turísticos significativos, relacionados à história da invasão colonial e da colonização do Brasil. Adicionar um elemento de cultura cigana nesse local polui e desconfigura o espaço, comprometendo seu valor cultural imaterial específico.
  • Duplicidade de esforços: Em vez de apoiar a luta legítima de Mônica Braga, a proposta cria uma duplicidade de esforços e recursos, desviando a atenção e os investimentos necessários para preservar e respeitar a tradição existente.

Um chamado à ação

Esta decisão representa um grave erro de política cultural, ignorando a importância de respeitar e preservar as tradições e os espaços culturais imateriais. É crucial que a comunidade e as autoridades reconsiderem essa decisão e apoiem a luta de Mônica Braga, garantindo que a gruta de Santa Sara Kali seja transferida para um local público, de frente para o mar, em respeito à tradição e à cultura cigana.

Além disso, é necessário um diálogo aberto e inclusivo com todas as partes interessadas para assegurar que as decisões políticas culturais respeitem e preservem as práticas culturais e espirituais de todas as comunidades. A diversidade cultural de São Vicente deve ser celebrada e protegida, não desrespeitada ou comprometida.

Desrespeito generalizado aos pontos culturais da cidade

Este caso é apenas mais um exemplo do desrespeito contínuo da gestão cultural de Kayo Amado e do PSB em relação aos pontos culturais de São Vicente.

Diversos locais de importância histórica e cultural estão abandonados, como o Mercado Municipal, que foi descaracterizado e negligenciado por anos, e a Vila de São Vicente, que está à mercê de planos de privatização incertos. A Casa Martim Afonso está em ruínas, a Ponte Pênsil e seus arredores estão tomados por mato e lixo, e locais como o Porto das Naus e a própria Biquinha estão em condições deploráveis.

Enquanto isso, a prefeitura investe em ícones que pouco têm a ver com a identidade da cidade, como o infame coração do Amado e a estátua de Pelé na praia. Agora, planeja construir a Praça da Bíblia. Não há problema em homenagear figuras importantes, mas é inaceitável que recursos sejam direcionados para esses projetos enquanto nossa rica história local e patrimônios culturais são negligenciados.

Religiosidade e racismo?

Uma questão perturbadora emerge: por que a prefeitura tem recursos para a Praça da Bíblia, mas não autoriza a instalação da estátua de Yemanjá e da gruta da Santa Sara Kali, que praticamente não têm custo? Será que estamos enfrentando um caso de racismo religioso por parte do prefeito?

Conclusão

A preservação cultural é essencial para manter a identidade e a história de uma comunidade, de uma cidade. Desrespeitar tradições e comprometer espaços culturais imateriais não só fere a comunidade diretamente envolvida, mas também empobrece a diversidade cultural de toda a cidade. Espero que as autoridades revejam esta decisão e tomem medidas para corrigir os erros, promovendo uma política cultural mais respeitosa e inclusiva.

*Danilo Tavares é produtor cultural, documentarista, coordenou diversas oficinas de cinema digital, é gestor e desenvolve propostas de projetos para editais culturais e sociais. Atualmente é proprietário da Zopp Criativa Produções, empresa com selo Estratégias ODS, diretor de projetos do Clube do Choro de Santos, membro do Fórum de Economia Solidária da Baixada Santista e diretor da Casa Crescer e Brilhar (São Vicente). E-mail: [email protected].

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Folha Santista.