Por Alice Andersen
“É a história de exclusão dos povos originários que me faz aceitar essa condição de candidato. Estou fazendo isso para que nenhuma pessoa indígena se sinta impedida de sonhar e de querer estar nesses lugares de privilégio que foram exclusivos a um tipo de brasileiro”, disse o líder indígena, ambientalista, filósofo e poeta, Ailton Krenak.
O ativista indígena e escritor Daniel Munduruku junto a Ailton Krenak disputam uma vaga na Academia Brasileira de Letras (ABL). Mais de um século após sua criação por Machado de Assis, a ABL pode estar prestes a ter o primeiro escritor indígena, na cadeira de número 5, que em 1977 recebeu Rachel de Queiroz, a primeira mulher a integrar a instituição.
As inscrições se encerraram no dia 31 de agosto deste ano, com 11 candidatos disputando a cadeira 5 da academia. Além dos autores indígenas, competem a historiadora Mary del Priore; a escritora, poeta e jornalista Raquel Naveira, do Mato Grosso do Sul; o poeta e escritor cearense Antonio Helio da Silva; o escritor paulista J. M. Monteirás.
A lista inclui também Chirles Oliveira, professora paulista e mestre em comunicação; José Cesar Castro Alves Ferreira, escritor, artista plástico e político do Rio de Janeiro; o poeta goiano Gabriel Nascente; o ex-senador Ney Suassuna e Denilson Marques da Silva, escritor, poeta, artista plástico e ensaísta do Rio de Janeiro. A eleição está prevista para ocorrer no dia 5 de outubro deste ano.
Ailton Krenak
O escritor e líder indígena de Minas Gerais, Ailton Krenak, de 69 anos e autor de “Ideias para adiar o fim do mundo”, foi o primeiro a se candidatar à cadeira. Ainda este ano, Krenak entrou para a Academia Mineira de Letras, um movimento que foi visto como renovação e revitalização da instituição, ao reconhecer a contribuição dos povos indígenas para a língua e a cultura do país.
No dia 29 de setembro, Ailton Krenak completará 70 anos. O autor destaca que sua candidatura só faz sentido se for uma reparação histórica.“Se formos contextualizar essa experiência no século 21, podemos entender como um gesto de reparação histórica, que diz menos sobre o autor aqui, e mais sobre a Academia”.
Em entrevista ao Estado de Minas, ele diz que “as instituições ocidentais estão sendo constrangidas a rever algumas injustiças que foram perpetuadas, que se alongaram por dois, três, quatro séculos de exclusão e de invisibilização de grandes contingentes de povos e culturas. Não só no Brasil. A ABL está se atualizando em relação à agenda global”.
O escritor já recebeu dois títulos de Honoris Causa, um pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e o outro pela Universidade de Brasília (UnB). “A primeira vez que me deram um doutor honoris causa, essa onda percorreu as aldeias do país inteiro. Diziam: ‘Um de nós pode ser doutor’. E agora temos cada vez mais jovens indígenas acreditando que podem ser doutores”, lembrou Krenak.
Daniel Munduruku
O escritor e professor Daniel Munduruku, de 59 anos, autor de “O Karaíba – Uma história do pré-Brasil”, cuja etnia indígena é refletida em seu sobrenome, foi o sétimo a se candidatar. Esta é a segunda vez que Munduruku concorre.
Munduruku é o doutor em educação pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutor em Linguística pela Universidade Federal de São Carlos (UFScar). Ele é nascido em Belém do Pará e filho do povo indígena munduruku. Também em entrevista ao Estado de Minas em 2021, o ativista recordou como tudo começou.”Comecei contando as histórias que ouvia na aldeia. Depois de um tempo, descobri que podia reportá-las, transformando-as em literatura”.
Ele esclarece que foi se dando conta de que a escrita poderia ser objeto de conhecimento da própria origem. “Entre erros e acertos, fui criando um jeito próprio de escrever e as histórias caíram no gosto de quem as lê. Aos poucos, fui me dando conta de que meu trabalho poderia ajudar o povo brasileiro a pensar e entender a sua própria origem”, disse.
De acordo com ele, as pessoas não aceitam muito bem a ideia de que o Brasil tem povos originários.”A cultura nacional está muito intrincada nas culturas originais. Então, gosto de trazer na minha escrita esse tipo de informação para lembrar (as pessoas) de sua origem e mostrar que podemos conviver uns com os outros, sem nos anular”, ressaltou na época.