O governo Telma de Souza (PT), na prefeitura de Santos, foi de 1989 a 1992. Ao final, segundo a Folha de S.Paulo, a avaliação pela população santista foi de 84% de bom e ótimo. As políticas públicas de saúde foram o destaque daquela administração, tanto que o secretário municipal da área foi escolhido pelos filiados do Partido dos Trabalhadores (PT) como o candidato à sucessão e foi eleito para governar entre 1993 e 1996.
No entanto, outras secretarias também realizaram projetos relevantes. As políticas públicas no campo do abastecimento e segurança alimentar, informação e orientação ao consumidor e economia solidária foram referências para diversos municípios em todo o país.
Foi inspiração, também, para a elaboração do Programa Nacional de Segurança Alimentar do Governo Paralelo do PT e, posteriormente, para “Plano de Combate à Fome e à Miséria”, coordenado pelo sociólogo Herbert de Souza, Betinho, e para o “Fome Zero”.
A equipe de profissionais que elaborou e operacionalizou o conjunto de projetos, que será apresentado no presente texto, trabalhou os quatro anos do governo Telma de Souza e dois anos do governo David Capistrano.
O presente artigo tem o objetivo de resgatar as políticas públicas de abastecimento e segurança alimentar, informação e orientação ao consumidor e economia solidária daqueles governos, pois podem servir de referências para outras prefeituras, visto que o quadro de dificuldades econômicas se agrava para a população pobre, como ocorria no Brasil daquela época.
Ainda com o agravante de haver, no momento, a desregulamentação das leis trabalhistas, número alarmante de desempregados e desalentados, além da volta da inflação. A adequação daquelas políticas públicas à atual realidade é perfeitamente possível.
Ao assumir o governo, no dia 02/01/1989, primeiro dia útil após a posse, a prefeita Telma de Souza decretou um Plano de Emergência que visava a enfrentar as carências sociais mais graves da população de Santos.
O Plano incluía cinco prioridades, duas relacionadas diretamente à área do abastecimento alimentar: “Implantação de Equipamentos de Preços Controlados” e “Fomento à Organização de Consumidores para Minimizar os Custos de Acesso aos Alimentos da Cesta Básica”.
Essas prioridades constavam de um plano entregue antes da posse à prefeita pelo secretário municipal de abastecimento alimentar, Newton Narciso Gomes Júnior, e era integrado por três eixos: 1) Projetos paliativos; 2) Projetos estruturais e 3) Informação, Defesa e Orientação ao Consumidor.
O secretário Newton Gomes é economista de formação e, atualmente, é professor da Universidade de Brasília. Ao assumir a pasta, tinha vasta experiência na área do abastecimento alimentar por ter trabalhado na Coordenadoria de Abastecimento da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.
Neste governo, ocupei o cargo denominado chefe do departamento de abastecimento alimentar e, também, era o secretário adjunto da pasta. A minha experiência profissional se fundamentava em trabalho de assessoramento técnico e organizacional a agricultores familiares pela Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI), pertencente à mesma secretaria estadual que trabalhava anteriormente o secretário.
Atualmente, trabalho no mesmo órgão do governo estadual, como servidor concursado, e atuo como voluntário no Fórum de Economia Solidária da Baixada Santista. Assim, ambos tínhamos formação técnica nas áreas de agricultura e abastecimento.
Projetos Paliativos
Os projetos considerados paliativos, sob a ótica do abastecimento alimentar, tinham como objetivo possibilitar a oferta de alimentos de boa qualidade a preços inferiores em relação a equipamentos de comercialização similares, por meio de varejistas que atuavam com preços negociados com técnicos da secretaria.
A negociação dos preços se dava com base nas informações de coleta de preços diária em 12 supermercados, nas feiras livres e mercados de comercialização de pescado de Santos e Bertioga, na época distrito de Santos.
Os preços coletados também serviam de referência para a compra de alimentos consumidos nos diversos equipamentos administrados pela prefeitura, como escolas e creches, por exemplo.
Foram implantados os seguintes projetos:
– Feiras Modelo: As feiras modelos, incialmente, foram a transformação da forma de operacionalização das feiras livres que já existiam, mas tinham baixa frequência de consumidores. Os feirantes e moradores dos bairros solicitavam alguma ação da prefeitura no sentido de recuperá-las.
Após várias reuniões, com os proprietários das barracas, representantes do sindicato que os representava e associação dos atacadistas, foi aprovada a seguinte proposta: os feirantes trabalhariam com preços máximos permitidos por tipo de cada produto com margem bruta de comercialização de 20%, ou seja, preço de atacado acrescido daquele percentual.
Os atacadistas dariam um desconto de 10% somente para os feirantes e quantidade de produtos para aquelas feiras. Assim, na prática, seria preço de atacado mais 10% de margem bruta de comercialização considerando os preços praticados no comércio atacadista.
A prefeitura fazia a divulgação da feira com o seu novo sistema de funcionamento e, junto com os feirantes, foram realizadas reuniões nas associações de moradores, principalmente para explicar a metodologia de estabelecimento dos preços.
Os fiscais de feira, posteriormente promovidos com valorização salarial e a nova denominação de técnicos de abastecimento, foram capacitados no Ceagesp para identificar os tipos dos diferentes produtos ofertados em uma feira livre.
Estes profissionais coletavam os preços praticados pelos atacadistas durante o funcionamento da comercialização na madrugada. Elaboravam a tabela com os preços máximos que poderiam ser praticados, tiravam cópias e distribuíam aos feirantes entre 6h e 7h.
No meio da feira, colocava-se um quadro com os produtos e preços máximos permitidos para cada produto. Assim, os consumidores poderiam acompanhar o cumprimento das regras e contavam com o apoio dos técnicos de abastecimento.
Enfim, criou-se uma rede de colaboração para viabilizar a recuperação das feiras integradas pelos varejistas, atacadistas, servidores públicos, dirigentes da Secretaria de Abastecimento e consumidores.
Este projeto foi implantado, inicialmente, na feira livre dos bairros Santa Maria e Saboó, com recuperação desses equipamentos. Posteriormente, foram implantadas feiras modelo onde não existia feira livre, como Morro São Bento e uma feira noturna no Morro da Nova Cintra atendendo à solicitação da população.
A ideia das feiras modelo era trabalhar com um máximo de 40 feirantes, em que todos comercializariam um volume maior com preços mais competitivos.
Os preços praticados nas feiras livres eram coletados diariamente e feita a comparação com aqueles das feiras modelo. O diferencial variava entre 20% e 40% considerando frutas, legumes, verduras e pescado. Ou seja, as feiras livres sem o projeto praticavam preços superiores.
– Central Varejista Popular: Este equipamento foi implantado em uma pequena rua ao lado do prédio da Alfândega, no Centro da cidade, por onde passavam as pessoas que acessam as barcas para o distrito de Vicente de Carvalho, no Guarujá, e podiam fazer compras.
Por funcionar entre 13 e 19h, os trabalhadores e moradores do Centro da cidade também podiam se abastecer em horário e com preços diferenciados. Os seus integrantes eram os próprios feirantes de Santos e o acordo com os atacadistas foi mantido. O diferencial de preços para as feiras livres também variava entre 20% e 40%
– Programa Volante de Abastecimento: A Companhia Santista de Transportes Coletivos (CSTC) tinha alguns ônibus que não seriam mais utilizados para o transporte de passageiros. A direção da Secretaria Municipal de Abastecimento entrou em acordo com os dirigentes da CSTC e propôs que um dos ônibus fosse adaptado para comercialização de produtos considerados da cesta básica e de limpeza.
Houve licitação e a operacionalização do projeto ficou a cargo de uma cooperativa vinculada ao sindicato dos conferentes de Santos. Os preços praticados ficavam entre 15 e 20% menores daqueles dos supermercados.
– Dia do Peixe: A ideia de criar um projeto que comercializasse pescado de boa qualidade a preços inferiores àqueles praticados nos equipamentos tradicionais emergiu pela constatação de que os preços praticados em Santos eram superiores ou iguais aos de São Paulo em equipamentos similares.
Inicialmente, os feirantes que comercializavam pescado foram contatados para integrarem o projeto que funcionaria somente às sextas-feiras, dia considerado tradicional para o consumo de pescado.
Os preços seriam acordados para que ficassem entre 20% e 25% abaixo daqueles praticados nas próprias feiras livres e peixarias. Os feirantes não aceitaram participar pelo fato de não concordarem em trabalhar com preços acordados previamente, mesmo sob o argumento de que o volume comercializado seria maior, e não acreditarem que os técnicos da Secretaria de Abastecimento tivessem capacidade de operacionalizar o projeto sem a participação deles.
A direção da Colônia de Pescadores de Santos também foi consultada sobre a possibilidade de pescadores artesanais participarem do projeto. A informação dada foi que não havia organização e infraestrutura adequadas para a viabilização da participação.
Outro grupo convidado para integrar o projeto foram os piscicultores da Associação de Aquacultores de Juquiá (Aquaju). Este município experienciava o crescimento da criação de peixes e os piscicultores, quase todos com modo de produção familiar, poderiam ofertar espécies de água doce e teriam apoio da cidade de Santos, que representa o principal polo de consumo do litoral paulista e Vale do Ribeira.
A diretoria da entidade conversou com a equipe técnica da Secretaria Municipal de Abastecimento, agradeceu ao convite e informou que não participaria pelo fato de os pesqueiros que funcionavam como pesque-pagues estarem pagando preços elevados pelo peixe vivo.
Assim, já que pequenos varejistas, pescadores artesanais e piscicultores não se interessaram pelo projeto, a Cooperativa Mista de Pesca Nipo Brasileira assumiu a sua operacionalização, com a oferta de pescado congelado que era mantido em caixas isotérmicas sob uma barraca simples, pequena.
O consumidor tinha acesso à informação sobre as espécies ofertadas, forma como eram apresentadas e preços por uma placa informativa. Havendo interesse na compra, as caixas eram abertas para avaliação do consumidor e retirada do pescado.
O primeiro ponto a funcionar foi na praça José Bonifácio, em frente ao Fórum de Santos. O total comercializado por sexta-feira variava de 750 kg a 1.500kg. Posteriormente houve a abertura de um novo ponto de comercialização na Rua Alexandre Martins, próximo ao conjunto habitacional conhecido como BNH por reivindicação dos moradores.
Neste ponto, o total comercializado era em média 350 kg/dia. O diferencial de preços em relação a outros equipamentos varejistas variava entre 25% e 40%, ou seja, a economia feita pelos consumidores era expressiva.
– Grupos de Compra de Cesta Básica em Bertioga: A organização de grupos de compra de consumidores constava no Plano de Emergência anunciado pela prefeita Telma de Souza quando assumiu o cargo e se caracteriza como um projeto integrante da economia solidária.
Técnicos da Secretaria Municipal de Abastecimento tentaram implantá-lo em bairros da Zona Noroeste de Santos. Neste caso, a metodologia era a seguinte: os alimentos eram escolhidos em lista, havia a compra conjunta nos locais onde os preços eram mais baixos e, posteriormente, tinha a necessidade de os grupos separarem a quantidade adquirida por cada família.
Essa prática foi um fator limitante para o avanço do projeto por demandar transporte dos produtos até os locais indicados pelos grupos e tempo para separação. Havia a necessidade de aperfeiçoamento da metodologia, de acordo com as necessidades e possibilidades dos integrantes dos grupos.
A coleta diária de preços nos equipamentos varejistas revelava que os preços praticados pelos supermercados de Bertioga eram mais elevados em relação àqueles de Santos, como se fossem “preços para turistas”.
No entanto, a população local, além de comprar nesses equipamentos por não ter opção, havia aqueles que moravam em bairros distantes do Centro da cidade, o que encarecia o custo de aquisição de alimentos devido ao transporte.
Dessa forma, o projeto de organização de grupos de compra foi apresentado à população em reuniões realizadas nas sedes das associações de bairro, escolas e unidades da prefeitura. Foi realizada uma importante mudança em relação à metodologia anterior: a compra seria de cestas básicas com o conteúdo definido nas reuniões, sejam produtos, quantidades, tipos e mesmo marcas de cada um.
Assim, após quase dois meses de reuniões nos diferentes locais fez-se um acordo que haveria cinco cestas, sendo três de alimentos não enlatados, uma de produtos alimentícios enlatados e uma de produtos de limpeza. As cestas de alimentos não enlatados continha os mesmos produtos e variava nas quantidades de cada item, para atender famílias com diferentes números de integrantes.
As empresas interessadas em participar deveriam ser de Santos, se cadastrar na Secretaria Municipal de Abastecimento e estar com toda documentação atualizada. Cada grupo de compra tinha um representante eleito. No dia 30 de cada mês, havia uma reunião entre os representantes e os fornecedores de cestas básicas, quando os preços de cada cesta eram apresentados em envelopes fechados.
Os fornecedores se retiravam do local e somente retornavam para ouvir a decisão do grupo sobre qual seria o fornecedor do mês. Os pedidos eram encaminhados pelos integrantes de cada grupo para os representantes, que repassavam até o dia 05 para o fornecedor. No dia 10, as cestas eram entregues nos locais indicados pelos representantes que pagavam diretamente ao fornecedor.
Este projeto envolveu 75% da população de Bertioga chegando a ter grupos também no município de Guarujá. O diferencial de preços chegava a 20% em relação aos supermercados locais e não era preciso pagar transporte para realizar as compras do mês.
Os técnicos da prefeitura somente organizavam as reuniões e informavam sobre aspectos referentes à variação de preços.
Além disso, havia reuniões a cada dois meses com todos os grupos, nos locais de moradia ou trabalho, para avaliar o projeto e debater a tendência da economia do país, que os afetavam diretamente.
Os proprietários dos supermercados de Bertioga se reuniram e foram recebidos pela prefeita Telma de Souza e pelo secretário Newton Gomes. Contestaram o trabalho realizado com os grupos de compra e solicitaram o seu encerramento. Foram orientados a se organizarem e juntos participarem do projeto concorrendo com os outros fornecedores.
– Campanhas de Produtos da Época: As campanhas de produtos da época objetivavam ofertar produtos de boa qualidade com preços mais acessíveis aos consumidores e apoiar os produtores que, comumente, por terem produtos em quantidade expressiva, tinham preços pagos muito baixos por intermediários e mesmo atravessadores.
Foram realizadas campanhas de feijão, maçã, mel, café e leite. Os preços e os pontos de comercialização sempre eram acordados anteriormente e havia divulgação para os consumidores. O que caracteriza as campanhas é que funcionam por um período definido, sendo no máximo 20 dias. O diferencial de preços para os supermercados variava entre 25% e 35%.
– Apoio aos Usuários dos Serviços de Saúde Mental: A campanha de mel era realizada em parceria com uma associação de apicultores do Paraná. Para que a oferta de mel de boa qualidade a preços competitivos continuasse a ser realizada e possibilitasse a reinserção psicossocial dos usuários dos serviços de saúde mental.
Assim, a associação de apicultores que realizava campanhas de mel, realizou uma parceria com o grupo dos usuários sob a orientação dos profissionais da prefeitura. Os pontos de comercialização se situavam nas feiras livres, após explicação e negociação com os feirantes.
Técnicos da Secretaria Municipal de Abastecimento prestaram apoio, também, à organização dos trabalhos do grupo de usuários dos serviços de saúde mental que atuava na separação de material reciclável do projeto Lixo Limpo e apoio à cooperativa de produção de blocos que eram destinados, principalmente, à construção de moradias em parceria com o movimento popular de habitação.
As experiências da prefeitura de Santos com a adoção da economia solidária na política de saúde mental são referências até o presente, apesar de terem sido extintas pelos governos que sucederam aos do PT.
– Ponto da Cestinha: Este projeto funcionou por alguns meses em pontos definidos nos bairros onde concentrava a população mais pobre e objetivava ofertar produtos da cesta básica a preços abaixo daqueles praticados no mercado.
A comercialização se dava em uma barraca e o permissionário era um atacadista escolhido após licitação. Os preços variavam entre 15 e 20% em relação àqueles dos supermercados.
– Barracas de Frutas na Orla da Praia: Esse projeto consistiu na instalação de barracas que comercializavam frutas em locais estratégicos da orla da praia, que não causavam problemas a pedestres ou ao trânsito e permitia a compra de alimentos de excelente qualidade a preços competitivos.
O objetivo era atender à população durante o verão, quando a cidade recebe um número expressivo de turistas. Eram barracas de consumo de conveniência, mas tinham os preços também controlados com as mesmas regras das Feiras Modelo e Central Varejista Popular.
Os comerciantes eram feirantes e a seleção era acompanhada por representantes do Sindicato da categoria. O diferencial de preços também ficava entre 20% e 40%.
– Dia do Frango: Este projeto tinha o mesmo objetivo do Dia do Peixe. A operacionalização era feita por um atacadista e os preços também eram controlados. Os pontos de comercialização atendiam a bairros das diferentes regiões da cidade. Os preços praticados eram cerca de 20% menores do que os de supermercados.
Projetos Estruturais
Projetos estruturais eram aqueles que representavam intervenções do poder público em serviços que tinham maior repercussão ao longo do tempo, como a alimentação escolar na vida de crianças e adolescentes, ou implicavamm na reorganização da estrutura de equipamentos de comercialização que ocupavam o espaço público.
– Alimentação Escolar Diferenciada: A substituição da merenda por alimentação escolar se deu em toda a rede de ensino. Foram implantadas cozinhas nas escolas ou foram feitas reformas. Adquiriram-se fogões e geladeiras.
Houve a substituição gradativa dos produtos formulados por in natura. Havia lanche e almoço em todas as escolas, mas naquelas onde se concentravam a população mais pobre, foi garantido maior aporte nutricional: protéico e calórico.
Havia também a possibilidade de os irmãos mais novos que ainda não eram matriculados também fazerem as refeições. No livro “Mil Dias de Governo Popular” publicado em 1991, escrito por David Capistrano Filho, então chefe de gabinete da prefeitura e secretário de Higiene e Saúde de Santos há o seguinte registro:
“Em função da melhoria da qualidade, a merenda oferece aos alunos mais de 75% de suas necessidades de proteína, o que é significativo numa época de aguda crise econômica. O serviço beneficia tanto as crianças da rede municipal quanto da rede estadual, graças aos recursos próprios da Prefeitura, pois o dinheiro que o governo do estado repassa para o programa de merenda do município não cobre sequer 10% dos gastos”.
Sem dúvida alguma, o rendimento escolar melhorou em toda a rede. Trata-se de uma obrigação do Estado garantir a segurança alimentar de crianças e adolescentes em seu processo de crescimento e desenvolvimento físico e neuropsicológico. A prefeitura de Santos cumpriu a sua missão.
– Reorganização das feiras livres: Foi elaborado um novo regulamento para as feiras livres que foi construído com os feirantes em 23 reuniões na sede do Sindicato dos Feirantes e debates nas próprias feiras. Foram criadas cinco novas feiras livres e três mudaram de local. Havia 23 feiras livres na cidade.
Na Zona Noroeste, por exemplo, nenhum morador tinha a sua residência com distância maior que 500m de uma feira. Assim, houve melhor distribuição dos equipamentos.
Diversas limitações que os feirantes enfrentavam no antigo regulamento foram removidas, assim como foi facilitada a retirada de carros dos prédios e casas com a colocação nas entradas de garagens de barracas com ramos de atividades que comumente iniciam mais tarde a montagem e é feita de forma mais rápida, como as de comercialização de pasteis, por exemplo.
Em cada feira havia uma barraca da prefeitura com balança para que os consumidores pudessem conferir a quantidade dos produtos que adquiriam e ter apoio da fiscalização.
A concepção de que as feiras livres são importantes equipamentos de comercialização era uma posição unânime no governo, pois geram postos de trabalho, disponibilizam alimentos e outros itens diretamente nos bairros, são espaços de encontro de vizinhos e os consumidores negociam diretamente preços e qualidade diretamente com os donos das barracas. Enfim, nas feiras a cidadania é exercida e a concorrência estabelecida se dá entre pequenos comerciantes.
– Reforma do Mercado Municipal: O mercado municipal, que abrigava a sede da Secretaria Municipal de Abastecimento, situado no bairro da Vila Nova, foi reformado e realizada licitação para a ocupação dos boxes.
Alguns foram ocupados revitalizando um pouco mais o comércio e outros não, principalmente aqueles situados na parte superior do prédio.
Este equipamento tinha uma interessante característica, pois alguns permissionários comercializavam para bares e restaurantes, ou seja, eram semi-atacadistas que entregavam os produtos aos clientes que encomendavam por telefone, o que dava a impressão de se ter pouco movimento no local.
– Ilha de Conveniência: A antiga estação do bonde situada na avenida Bartolomeu de Gusmão em frente à avenida Conselheiro Nébias foi reformada e preparada para receber comerciantes que ofertariam revistas, jornais, pescado congelado, flores, frutas e outros produtos.
Foi realizada licitação para ocupação dos boxes. Os ramos de atividades definidos não foram todos contemplados, ou seja, não houve interesse por alguns. A Ilha de Conveniência iniciou as suas atividades e outra licitação foi realizada, adequada aos ramos propostos por moradores e interessados.
– Reorganização do Comércio Ambulante: A reorganização do comércio ambulante foi um processo que se fundamentou em ampla negociação que envolveu os lojistas e os ambulantes. O governo que antecedeu ao de Telma de Souza se limitava a implementar uma fiscalização como se o ambulante fosse um delinquente, principalmente aqueles que não tinham licença, mas estavam há muitos anos trabalhando nas ruas e tinham que enfrentar cotidianamente a repressão.
Mesmo os ambulantes que tinham licença e atuavam com os seus carrinhos na faixa de areia da praia, anualmente tinham que fazer uma verdadeira via crucis empurrando seus carrinhos pelas ruas da cidade até o mercado municipal na Vila Nova para fazer o emplacamento.
Havia a reivindicação do sindicato que representava os ambulantes que atuavam na faixa de areia para que houvesse mudança no emplacamento dos carrinhos. Essa reivindicação foi atendida prontamente, na primeira semana de governo, e os ambulantes passaram a receber as placas diretamente e eles próprios emplacavam.
Em relação aos ambulantes que atuavam nas ruas, foi estimulada a criação de uma associação para que tivessem representação junto ao poder público e às organizações dos lojistas. Dessa forma, uma comissão formada por representantes dos dois segmentos estabeleceu critérios para definição daqueles que continuariam a trabalhar no espaço público, como tempo de atuação nos locais que ocupavam e número de filhos dependentes.
Assim, a prefeita Telma de Souza emitiu novas licenças para o grupo definido pelos ambulantes e lojistas com a mediação de técnicos Secretaria Municipal de Abastecimento.
Projetos de Informação, Orientação e Defesa do Consumidor
Foi criado o Centro de Informação, Orientação e Defesa do Consumidor (CIDOC) que organizou a operacionalização de diferentes projetos com a participação de advogados, nutricionistas, jornalistas e estudantes.
Newton Gomes, então secretário, afirma que “o CIDOC órgão era autônomo em relação aos governos estadual e federal, era o único na América Latina administrado por uma prefeitura que se dedicava ao conjunto de serviços que prestava”.
O Cidoc tinha um Conselho Municipal de Informação e Defesa do Consumidor integrado por comerciantes, prestadores de serviços e representantes de entidades de associações de moradores e sindicatos. Este conselho era consultivo e acompanhava os trabalhos realizados pelo Cidoc.
Em 1993, devido à grande importância dos serviços prestados pelo Cidoc, mudou-se o nome de Secretaria Municipal de Abastecimento para Secretaria Municipal de Abastecimento e Proteção ao Consumidor.
– Orientação e Defesa do Consumidor: O Cidoc tinha um advogado que coordenava esse serviço e estagiários que cursavam Direito e recebiam uma bolsa para atender os consumidores que apresentavam suas reclamações e problemas e realizar reuniões de conciliação com comerciantes e prestadores de serviços.
O objetivo era resolver os conflitos entre comerciantes e prestadores de serviços com consumidores com base no Código de Defesa do Consumidor. Essa ação proporcionou a redução dos casos de judicialização das relações de consumo e maior orientação para todos com fundamentação na legislação.
– Jornal Bolsa do Consumidor: Este jornal era produzido semanalmente e distribuído nas barracas da Secretaria Municipal de Abastecimento e Proteção ao Consumidor nas 23 feiras livres, assim como nos pontos de comercialização das campanhas, Dia do Peixe, Dia do Frango, nas cestas básicas do projeto de grupos de compra de Bertioga, no mercado municipal e mercado de peixes do bairro Ponta da Praia.
Havia a sua disponibilização, também, na própria sede do Cidoc. As informações que disponibilizava era resultado de diversos trabalhos realizados no seio da Secretaria, como a variação de preços da cesta básica do DIEESE em Santos com base nas coletas de preços nos supermercados e feiras livres, receitas com produtos de época, análise da conjuntura econômica e, havia, também, artigo de opinião redigido por integrantes da assessoria técnica e pelo próprio secretário.
Importante ressaltar que as receitas apresentavam o custo do prato, valor nutritivo, custo e número de pessoas que a porção poderia servir. Havia uma cozinha experimental onde as nutricionistas da Secretaria faziam todos os testes das receitas antes da publicação. A Bolsa do Consumidor era colecionada por vários consumidores.
– Cartilhas de Informação e Orientação ao Consumidor: Além das informações veiculadas semanalmente na Bolsa do Consumidor, o Cidoc produzia cartilhas sobre temas específicos.
Alguns exemplos: Pescado I, orientava consumidores a comprar o pescado verificando aspectos de qualidade; Pescado II era uma outra cartilha que apresentava receitas. Dicas I e Dicas II foram cartilhas construídas com a participação da população por uma rádio ou por carta direcionada às nutricionistas do Cidoc.
As pessoas davam dicas que aprenderam com os pais, avós ou vizinhos, na base da oralidade, que eram testadas na cozinha experimental e se confirmadas foram publicadas. Houve, ainda, entre outras cartilhas, uma voltada para o preparo de carnes duras, de valor inferior no mercado, com o objetivo de serem consumidas mais macias e com melhor sabor.
Cartilhas que orientavam o consumidor a comprar eletrodomésticos, por exemplo, e quanto ao conteúdo do Código de Defesa do Consumidor também foram publicadas. O acesso a todas as publicações era gratuito.
A intervenção do serviço de informação e orientação ao consumidor foi decisiva quando ocorreu em 1993 um surto de cólera no Brasil; segundo a Fundação Oswaldo Cruz, houve 51.324 casos com quase 700 pessoas mortas.
Foi realizada uma campanha para que as pessoas não consumissem pescado cru, mas que poderiam fazê-lo frito, assado ou cozido. Essa campanha preservou a saúde dos santistas e garantiu a continuidade da comercialização de pescado.
Considerações Finais
O conjunto de ações realizado pela Secretaria Municipal de Abastecimento e Proteção ao Consumidor atendeu às necessidades e exigências para que houvesse em Santos melhores condições de segurança alimentar e fossem realizadas as primeiras ações em economia solidária como os trabalhos concernentes aos usuários dos serviços da saúde mental e os grupos de compra de cesta básica de Bertioga.
Na época, ainda não se utilizava o termo economia solidária para caracterizar o tipo de economia que era praticada por trabalhadores associados para comercializar ou consumir, caso dos dois projetos.
O Estado, por meio das prefeituras, deve intervir para melhorar as condições de vida da população e não deixar que o mercado que acumula o capital direcione as relações na sociedade, pois está provado que neste caso promove-se a exclusão socioeconômica e a vulnerabilidade de parte expressiva da população. Para isso, deve-se investir em pessoas, na formação de servidores públicos e estruturação de assessorias técnicas competentes, como se deu em Santos.
O compromisso do PT e da prefeita Telma de Souza com a população mais pobre e a confiança depositada na direção da Secretaria Municipal de Abastecimento foi de fundamental importância para que todos os trabalhos relatados fossem iniciados e se concretizassem.
Assim, uma secretaria que era dedicada somente à fiscalização e punição com multas de ambulantes e feirantes nos governos anteriores, se transformou em promotora da segurança alimentar, orientação ao consumidor, da economia solidária e dinamização da economia local.
Que as experiências relatadas sirvam como referência para os governos municipais atuais, pois o agravamento do quadro de miséria devido à inoperância do governo federal, exige que as prefeituras ajam no sentido de pelo menos minimizar o sofrimento das brasileiras e dos brasileiros.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Folha Santista