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Certa madrugada eu trafegava com a patroa pela estrada, vindo de um barzinho onde tocava regularmente, em Mongaguá, e fomos parados numa blitz. Para minha grande surpresa e desespero, fui gentilmente informado pelo policial que me parou que meu carro teria que ser recolhido por falta de licenciamento. Pois é: eu tinha esquecido de pagar a bagaça, vencida meses antes. Depois de muito argumentar em vão, tive que me recolher à minha insignificância e me resignei a retirar todo meu equipamento de dentro do carro.

Para minha imensa sorte ou merecimento, meu queridíssimo cunhado mora ali por perto e se dispôs a nos resgatar. Enquanto o esperávamos, para me distrair um pouco, me dei ao trabalho de calcular mentalmente (e por baixo) o valor do prejuízo que eu teria, caso meu equipamento tivesse ficado à mercê de sabe-se lá quem, no pátio para onde meu carro estava sendo levado.

De repente, ali, às duas da manhã, na beira da SP 160, cercado de caixa amplificada, mesa de som, violão, microfones, pedaleira e demais acessórios, me dei conta de que carregava comigo cerca de R$ 10 mil de patrimônio. Sem contar, todo investimento de dinheiro e tempo de estudos, ensaios e tudo mais.

Comecei, então, a tentar imaginar quantas e quantas noites teria ainda que tocar em barzinhos e afins para recuperar esse investimento e começar a realmente ter um ganho em cima dele. Voltei para casa com o pensamento que se eu mesmo, músico veterano, não tinha noção do real valor da bagagem material e imaterial que carregava comigo, isso deveria acontecer também com outrxs colegas de profissão e mais ainda com donos/as de casas nas quais eu tocava. Que dizer, então, do público.

Caito Maia, dono da Chilli Beans e um dos jurados/investidores do programa “ Shark Tank”, certa vez foi perguntado em uma palestra sobre o que ele aconselharia a quem está nessa longa e tortuosa estrada, sendo ele mesmo um ex-profissional da música, formado em Berklee, tendo, inclusive, sua marca diretamente associada ao universo do rock. A resposta foi: “Músico brasileiro tem dois grandes problemas: 1- não gosta de ensaiar e 2- não enxerga o seu trabalho como um empreendimento”. 

Em meados do século 19 viver de música com dignidade significava depender totalmente de mecenato. Essa realidade não mudou muito até por volta de 2007, com o advento da internet de banda larga (que devastou o império das grandes gravadoras), sendo que os nobres e clérigos foram substituídos por empresários e executivos.

Vivemos um tempo em que a Economia Criativa já virou bandeira para liberais de centro-direita e a Economia Solidária desponta como alternativa viável para batalhadores de centro-esquerda. Independentemente do ponto de vista econômico, realmente não é nada fácil estabelecer um diálogo interno entre nossos devaneios líricos e a dura poesia concreta do gerenciamento de carreira. Mas enxergarmo-nos como CEOs de nossas próprias “empresas” é a única forma de nos tornarmos, definitivamente, donos/as do sim e do não diante da visão da infinita beleza.