Cada litro de óleo contamina vinte litros de água limpa. Aprendi sobre essa proporção gritante conversando com André Nascimento, idealizador do Óleo Noel.
A iniciativa promove a conscientização ambiental no Jardim São Manoel (bairro cujo apelido nomeia o projeto), Jardim Piratininga e Alemoa, na Zona Noroeste de Santos; forma e contrata jovens que percorrem semanalmente as residências daqueles bairros para coletar e encaminhar para reciclagem o óleo já utilizado pelas famílias.
Nessa região, estão concentradas as habitações que conferem a Santos o segundo lugar em número de favelas de palafitas do país; o município também detém a sexta melhor classificação no IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano). A primeira vista, a concomitância destes rankings pode parecer contraditória, mas olhando de forma mais crítica constatamos que é a desigualdade a criadora das condições de existência para acumulação da riqueza e, portanto, a pobreza não é face oposta, mas complementar desta moeda.
Os colaboradores do Óleo Noel recolhem quatro mil litros de óleo por ano, ou seja, contribuem para a preservação de oitenta mil litros de água do descarte incorreto deste poluente nas bacias da região.
O óleo coletado é vendido para uma empresa intermediária e depois comercializado para refinarias, lá é tratado e volta ao mercado na forma de resina, ração, asfalto ecológico, desengripante ou biodiesel. Os rendimentos são parcialmente repartidos entre os colaboradores e ainda fortalecem outras iniciativas sociais nos mesmos bairros como a horta comunitária Bons Frutos e o Projeto Casa do Pão, idealizado por Seu Arnaldo.
Ações como essas têm sido chamadas de ‘negócios sociais’. São empreendimentos autossustentáveis que contribuem para melhorar a sociedade, pois não é o lucro, mas o impacto social que determina a sua existência. O Óleo Noel incide sobre a preservação do meio ambiente, mas há muitas formas de produzir impacto (positivo, vale ressaltar) através de negócios sociais – vou retomar este tema em muitas outras histórias. Educação ambiental, produção de narrativas afirmativas sobre grupos subalternizados, formação e inclusão no mercado de trabalho, sustentabilidade financeira de populações vulneráveis, promoção de acesso à arte, educação e à dignidade de forma mais ampla, são algumas formas de tornar o mundo em que vivemos menos desigual.
Para os moradores das palafitas onde o Óleo Noel atua não há saneamento básico adequado, não foram contemplados por projetos urbanísticos, como os propostos por Saturnino de Brito no começo do século XX, que beneficiam a parte da cidade considerada quando se fala dos melhores indicadores de desenvolvimento.
É muito comum associar os moradores das palafitas à identidade única de produtores dos resíduos que poluem os rios onde suas casas estão assentadas; também são esses mesmos moradores quem separam, armazenam e entregam semanalmente de forma totalmente voluntária o seu óleo para reciclagem.
É evidente que a adoção desta prática é insuficiente para resolver todos os problemas ambientais decorrentes deste tipo de moradia, nem anula os danos do despejo de lixo e esgoto naqueles rios, nem por isso, deixa de ser um paradoxo relevante de se observar.
André me contou ser corriqueiro durante as coletas, os colaboradores agradecerem aos moradores por dedicarem tempo e atenção na separação do seu óleo e obterem como resposta: ” eu que agradeço”.