Os franceses Bruno Latour e Michel Callon são os principais pesquisadores que elaboraram a teoria do ator-rede, também conhecida como sociologia da tradução ou sociologia da inovação. Esse referencial teórico da sociologia nos permite conhecer os motivos que levaram determinado projeto a ter sucesso ou por que não deu certo. Possibilita, também, a elaboração de estratégia para que determinado projeto seja conduzido no sentido de que alcance os seus objetivos. As ideias-força da teoria do ator-rede são:
“Uma inovação, no caso um projeto técnico ou organizacional, não se impõe pelas suas qualidades próprias, mas é o processo que determina a sua emergência, o seu sucesso e/ou fracasso”;
“Não se trata de definir um projeto e convencer pessoas, mas construir em torno de uma ideia, uma rede de alianças”;
“Os resultados nos interessam, mas principalmente a rede de atores que será construída e as relações/ligações entre esses atores”.
Bruno Latour afirma que quando humanos e não humanos estão em relação alinhados nas ações, em cooperação, para viabilizar um projeto, se trata de uma rede sociotécnica. O Folha Santista, por exemplo, é resultado de uma rede sociotécnica, integrada por jornalistas, editor, leitores, computador, programas, prédio que abriga os profissionais, colunistas etc. Já rede social refere-se a um quadro em que pessoas se colocam em relação, mas sem o objetivo de elaborar, construir e operacionalizar uma ideia, não havendo coordenação ou alinhamento. Além disso, trata-se de um termo que não considera a importância dos elementos não humanos no seio das redes que viabilizam os projetos.
Para Latour, o ator-rede tem um papel definido a desempenhar para alcançar o seu objetivo e, quando o alcança, possibilita que os demais integrantes da rede sociotécnica também alcancem os seus.
Assim, “o ator, na expressão hifenizada ator-rede, não é a fonte de um ato e sim o alvo móvel de um amplo conjunto de entidades que enxameiam em sua direção”, de acordo com o autor, em seu livro “Reagregando o Social: uma introdução à teoria do Ator-Rede”.
Na Baixada Santista, historicamente, várias lutas foram travadas para que houvesse promoção de inclusão socioeconômica e em defesa do meio ambiente. No entanto, desde 2002, com a criação do Fórum da Cidadania de Santos, diversas redes sociotécnicas foram construídas como resistência à destruição imposta pelo modelo hegemônico de desenvolvimento ou para a formação de cidadãos que pudessem lutar de forma qualificada por uma outra Baixada, com democracia econômica, política e social.
O Fórum, com sede na Estação Cidadania da Avenida Ana Costa, em Santos, passou a ser o destino de várias entidades que atuam no campo dos direitos humanos que para lá enxamearam. A sua missão, definida como “mobilizar a comunidade para promover os direitos, deveres e responsabilidades da cidadania, visando a transformação social com qualidade de vida”, criou possibilidades para a realização dos projetos ou parte deles, daquelas organizações.
No entanto, para construir projetos, não basta ter um prédio bem situado para colocar em relação lideranças políticas, sindicais e religiosas; pesquisadores, professores, vereadores, técnicos e trabalhadores de diferentes áreas, assim como integrantes de outras organizações não governamentais. Há a necessidade de que haja um ator-rede, ou mais de um, capaz de viabilizar as conexões com outros atores, para que se transformem também em atores-rede, construtores de redes sociotécnicas de luta pela cidadania.
O tradutor das lógicas de ação dos diversos movimentos no seio do Fórum da Cidadania de Santos é o sociólogo Célio Nori. Traduzir lógicas de ação é diferente da realização da tradução de um texto de uma linguagem para outra. Trata-se, neste caso, da abordagem sociológica, de promover o estabelecimento de relações, de colocar as pessoas em conexão sem convencê-las, mas despertando a ideia de que somente uma atuação coordenada e alinhada com outros atores-rede pode alcançar um objetivo. Por isso, a teoria do ator-rede é denominada de sociologia da tradução. Como o resultado da ação das redes sociotécnicas são inovações, também é conhecida como sociologia da inovação.
Lembro de várias redes sociotécnicas em que o Célio Nori atuou como um ator-rede tradutor ou um ator-rede que dava a sua contribuição e outra pessoa atuava na tradução, ou seja, na operação de colocar as pessoas em relação explicando como poderiam alcançar os seus objetivos integrando determinada rede sociotécnica.
No entanto, a simples presença do Célio já dá ao projeto a credibilidade necessária para a promoção dos engajamentos necessários. Segue a relação de alguns projetos construídos recentemente: Fórum de Economia Solidária da Baixada Santista – Célio elaborou o seu manifesto – Fórum Social da Baixada Santista com mais de 50 organizações, diversos cursos, palestras e feiras promovidos pelo Fórum da Cidadania de Santos, Jardim Fabiana Oliveira, ato no Dia Nacional da Consciência Indígena e Contra a Intolerância Religiosa e Baixada Santista pela Vida.
Está em curso a construção das redes sociotécnicas para a viabilização do Pacto pela Vida na Baixada Santista e a Plataforma de Prioridades. Esta deverá ser entregue a prefeitos e vereadores das cidades da região para que promovam o bem-estar da população.
Cada projeto realizado, ou em curso, corresponde a uma rede sociotécnica criada, ou seja, um espaço de cooperação entre diferentes atores-rede. Sem rede sociotécnica não existe projeto e se não existir projeto não há necessidade da existência de rede sociotécnica.
Observo que atualmente muitas pessoas têm necessidade de protagonismo e se recusam a mobilizar possíveis aliados para integrarem os projetos que querem viabilizar. Parece que buscam reconhecimento para o alcance de um objetivo individual. Não sabem que jamais viabilizarão qualquer projeto coletivo com discurso e ações elaborados na primeira pessoa. Podem até conquistar reconhecimento em um contexto de valorização de individualistas para a implantação de projetos sem participação. No entanto, ser um ator-rede é determinante para a construção e viabilização de projetos coletivos que objetivam uma sociedade fundamentada na democracia.
A construção das redes sociotécnicas não é livre de disputas de ideias e controvérsias. Esses casos devem ser compreendidos e tratados como fenômenos que antecedem a construção dessas redes que colocarão as pessoas em relação, ou seja, em cooperação, para a viabilização dos projetos coletivos. Afinal, as controvérsias antecedem os acordos.
Na Baixada Santista, o principal ator-rede que atua como tradutor de redes sociotécnicas dos projetos que representam lutas sociais é o sociólogo Célio Nori. As redes construídas em torno de projetos que tiveram como berço o Fórum da Cidadania de Santos e se expandiram para outros municípios da Baixada Santista devem-se à capacidade de conquista de aliados por esses mesmos projetos, de acordo com a atuação do tradutor.
Seguir a trajetória do Célio, compreendendo as etapas de construção de cada projeto viabilizado, é uma excelente oportunidade para se tirar ensinamentos que podem orientar como elaborar e viabilizar outros projetos.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Folha Santista