Foto: Aluana Cortezini

Agradeço o convite dos amigos Renato, Adriana, Julinho e Lucas para escrever nesta casa. A ideia é discorrer sobre a “noite”, suas vertentes, curiosidades e tudo que envolve essa atmosfera fantástica. O tema é bem abrangente e, com a liberdade oferecida, tenho certeza que faremos desse espaço um lugar democrático, bem-humorado, oportuno e ideal para compartilhar experiências, contar causos, revelar talentos e debater novos hábitos e tendências desse universo.

Acredito que devo ser um dos comandantes de casa noturna com mais horas de voo da Baixada Santista. Fui sócio-proprietário do Torto Bar em Santos-SP – 1984/2017, uma nave espacial feita de palco e balcão, frequentada orgulhosamente por gente de tudo quanto é tipo, cor, raça, gênero e credo durante toda a sua existência. Também estive à frente do Bar do 3 por oito anos (1994/2002), uma casa com capacidade para 1.000 pessoas, que fez história na cidade com a realização de grandes shows e eventos.

Simultaneamente, ainda comandei um bar pé na areia na praia de Juquehy – São Sebastião-SP, o Bar do Pirata, que deixou saudades de um tempo bom. Pra completar o meu currículo de olhar noturno privilegiado, sou músico, nasci de madrugada e tenho alma boêmia. Feita a minha apresentação, vamos ao que interessa.

Música ao vivo nos bares de Santos

Nessa primeira oportunidade, trago o meu posicionamento quanto às manifestações recentes pró “música ao vivo” nos bares da cidade de Santos com uma visão um pouco mais ampla. Esse braço de ferro “diversão x descanso” não é novidade e nunca deixou de existir aqui ou em qualquer outra cidade do planeta. Tive esse tipo de problema em todas as minhas empreitadas.

O constante crescimento da população mais idosa na cidade de Santos, principalmente na região da orla da praia e adjacências, explica muita coisa. Com essa tendência, torna-se natural o aumento da torcida pela vitória do “descanso” e, junto com isso, a probabilidade de reclamações relativas às atividades que envolvam qualquer tipo de ruído.

Devemos partir do princípio que não existe unanimidade para absolutamente nada nesse mundo. Seria hipocrisia e um contrassenso da minha parte afirmar que sou a favor do silêncio dos músicos, até porque sou um deles e continuo a tocar nos bares da vida. Profissão a gente não troca, acumula. Porém (e sempre tem um porém), já dizia Plínio Marcos, é fundamental entender que as prioridades e necessidades individuais são distintas, cada um tem as suas e é preciso respeitá-las.

É fato que grande parte dos bares que promovem música ao vivo não dispõe de estrutura adequada para exercer essa atividade e quase sempre a música é tratada como mera coadjuvante. Geralmente, tudo que envolve o funcionamento de um bar é planejado e realizado com especial atenção: o conceito do cardápio, decoração, equipamentos de cozinha, refrigeração e tudo mais; exceto o local do palco, o som, o isolamento acústico e a estrutura básica para o músico se apresentar.

A necessidade de implantar música ao vivo surge com a carência de público ou com a perspectiva de aumento do volume da frequência. Também é fato que em algumas ocasiões os negócios se iniciam de maneira precária, motivados pela escassez de emprego, com poucos recursos e quase nenhuma experiência do lado de dentro do balcão.

Dessa forma, não é raro nos depararmos com algumas tentativas de sobrevivência feitas no improviso e com o barco navegando. Um bom planejamento pode evitar parte dos problemas, a começar pelo estudo da localização apropriada para a atividade e a inclusão das considerações sobre tudo que envolve a oferta de música ao vivo no empreendimento.

O amigo Rogério Baraquet citou em artigo escrito recentemente nesta casa uma matéria publicada no jornal “The Guardian”, onde cita que o governo inglês ofereceu 50% de redução nos impostos e taxas para bares com capacidade inferior a 350 pessoas e faturamento máximo de 51mil libras/ano (aproximadamente R$ 300mil).

Com todo respeito ao amigo, que de fato tenho há longa data, a matéria não oferece dados suficientes para fazermos uma comparação justa. Ao que me parece, a carga tributária daqui é um pouco inferior à do Reino Unido (35% do PIB no Brasil x 39% do PIB na Inglaterra). Seria necessário sabermos como funciona esse sistema tributário e quais taxas foram isentadas.

Se formos adiante, a mesma matéria também relata a dificuldade dos bares em se cumprir as leis de restrição de ruído, ou seja, como já disse acima, o nosso problema aqui é igual ao de qualquer cidade do mundo. Acredito que poucos leram a matéria citada inteira. É inevitável que somente a leitura de uma manchete, em qualquer circunstância, confunda o entendimento do leitor.

Outro relato importante na mesma matéria é de um empresário que afirma: os “valores rateáveis” quadruplicaram nos últimos 12 meses, ou seja, esse incentivo me pareceu um jogo de números igual aqueles utilizado em algumas promoções capciosas, onde primeiro se aumenta o valor do produto para depois oferecer o desconto.  

Ainda sobre Londres, já estive lá. Porém, com uma rápida pesquisa no Google, qualquer um pode constatar que a grande maioria dos bares/pubs ingleses fecha às 23 horas, salvo algumas baladas em determinadas regiões específicas, providas de tratamento acústico adequado, que avançam até as 3/4h da manhã. Também é fato que após as 23 horas é proibido beber pelas ruas e, dificilmente, você encontra um lugar aberto para comprar bebida alcóolica. Alguém imagina alguma possibilidade disso acontecer aqui?

Vale lembrar que há incentivos fiscais vigentes para quem estiver disposto a se estabelecer no Centro Histórico de Santos. É obvio que existem outros desafios para os empresários dessa região, mas problemas com as leis que garantem o direito ao silêncio ninguém vai ter.

Outra constatação importante é que a maior parte das reclamações dos bares e baladas, são inerentes ao ruído provocado no entorno, ou seja, nem sempre é a música que incomoda. Porém, mesmo assim, o empresário que exerce esse tipo de atividade é responsabilizado indiretamente por esse impacto causado na vizinhança.

Por fim, tenho absoluta certeza que todo ser humano no mundo tem a sua preferência musical. Todos nós temos gravados na memória as canções que fizeram parte da trilha sonora da nossa vida. Seja na infância, adolescência, juventude, no dia do casamento, formatura, cotidiano ou em qualquer outro evento marcante.

Meu desejo é que os nossos vizinhos, principalmente os mais velhos, relembrem as suas canções prediletas com o carinho e o respeito que os músicos merecem; que nós, os protagonistas dessa história, possamos seguir em frente o nosso caminho profissional, poético e necessário na vida de todos; que os empresários se planejem melhor para diminuir os riscos e reclamações inerentes ao negócio e que todos, sem exceção, inclusive o poder público, ajam sempre com bom senso sem moderação.

Evoé!