Foto: Luwadlin Bosman on Unsplash

Segundo a socióloga Christine Delphy, patriarcado “é uma formação social em que os homens detêm o poder, ou ainda, mais simplesmente, o poder é dos homens”. É o sistema político-social baseado na dominação dos homens e na subordinação das mulheres.

São muitos véus postos sobre nossos olhos desde a concepção.

Se a audição começa ali, desde o útero, somos bombardeadas por coisas que parecem a verdade, mas não são, antes mesmo de existirmos do lado de fora.

Dia desses eu ouvi a seguinte frase: “Nada é um evento único” e, uau, essas poucas palavras fizeram minha cabeça ferver de pensamentos, porque é ótimo constatar como certo algo que sempre me causou desconforto e descobrir que não, não foi sempre assim. Nada sempre foi como está posto. Existem interesses por trás de todas as dores, de toda marginalização imposta a determinados grupos, de toda a criação do sistema que nos rege.

O patriarcado e a insensibilidade em relação às mulheres não surgiram a partir de uma histeria coletiva, mas, sim, através de um projeto sólido com interesses em poder, produção de pessoas e dinheiro. E não na divisão desses itens, mas em seu domínio exclusivo.

É desconfortável sair do lugar comum, eu sei, já estive lá. É doloroso olhar ao redor e perceber todas as violências que nos envolvem, e extremamente difícil ter certeza de que é preciso mudar a direção. Sentir-se deslocada, descolada da nuvem de fumaça que nos cegava.

Como as coisas chegaram até esse ponto? Quais foram as vidas ceifadas para instaurar um sistema que privilegia poucos e mata muitos, de diferentes formas, todos os segundos?

É preciso questionar, sim, a estrutura, todos os dias, pois a felicidade verdadeira não existe na neblina da ignorância. Por mais que a alienação nos pareça convidativa, por mais que discursos vazios, que não se sustentam em aparências fabricadas, sejam tentadores. Observar que “existem pessoas” felizes em toda a sua mediocridade é atraente. Imaginar que se pode ser feliz simplesmente ignorando todo o resto ao redor, como se a única realidade fosse a nossa, por vezes desnecessariamente abastada, fútil e vazia de sentido, pode soar como um bom caminho trilhado.

Quantas vezes disse para mim mesma “Queria nunca ter lido aquele livro”? Quantas vezes, ao sofrer verdadeiramente, na concepção da dor individual, as dores do coletivo, me vi frustrada por fazer parte dessa engrenagem que a minha consciência não pode mudar?

Mas a ciência de que minha força e vontade sozinhas não trarão alterações significativas ao modelo imposto não me impede de não me conformar.

Então, não me conformo. Se não me conformar é o que me cabe, serei uma inconformista.

Serei uma rebelde. Serei uma voz que não mais se cala. Serei uma presença que se impõe por estar certa de suas posições, por saber a honestidade da luta, a origem da guerra.

Serei uma mãe que educa um filho homem para não reproduzir o machismo que mata minhas irmãs e envenena as nossas relações.

Serei a mulher que não aceita sem questionar e sem ouvir respostas decentes, embasadas teoricamente, cientificamente, pautadas na realidade. Não levarei em consideração qualquer homem que ache saber melhor que uma mulher as nossas dores. Não hesitarei ante qualquer homem que deseje se apossar intelectualmente das minhas ideias ou toxicamente da minha sanidade.

Serei eu e minhas irmãs a minha prioridade.

Porque não existe saúde neste sistema, nem para as mulheres, nem para os homens.

Não existe felicidade real possível num lugar que deseja subjugar seus semelhantes por razões várias, para tentar inutilmente suprir fragilidades individuais.

Seguiremos.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Folha Santista.