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Nem quis ser nostálgico em meu primeiro texto aqui para o Folha Santista, nem quero parecer pessimista agora. Mas, otimista, esperançoso é que não dá pra ser. E nem é por causa do banzo causado pelo confinamento.

A praga do Facebook, do WhatsApp, Instagram e até alguns artigos da imprensa tradicional levantam a esperança de que após essa crise tudo será diferente. Diferente, sem dúvida. Melhor… aí é que o bicho pega!

A História não nos permite esse romantismo. Pra ficarmos só no século XX, esse em que nascemos todos os que estamos no grupo de risco, podemos falar de incríveis catástrofes: duas guerras mundiais, a gripe espanhola, a crise de 29, grandes revoluções e contrarrevoluções.

Cada uma dessas catástrofes modificaram muito o mundo e os humanos. O desastre da I Guerra, seguido da pandemia de gripe espanhola, trazia uma esperança com a Revolução Russa, vitoriosa, mas prontamente mantida em isolamento, posta de quarentena.

Logo as classes dominantes responderam com o fascismo em todas as versões: italiana, portuguesa, alemã, espanhola e outras nem tão famosas nem explícitas. Após a crise de 29, uma novidade, o enterro do Liberalismo Econômico, mas só nos Estados Unidos encontrou-se saída num novo pacto social, o New Deal, de Roosevelt. Talvez porque nesse país a luta de classes não tivesse chegado aos níveis europeus. Na Europa, a agudização da luta de classes fez a burguesia aderir, de mala e cuia, ao citado fascismo. Ou seja, após uma catástrofe, ou várias delas, não sobreveio a solidariedade, a fraternidade e sequer a liberdade.

Terminada a hecatombe da II Guerra, a Europa dividiu-se e o mundo também. No velho continente, devido ao papel decisivo da União Soviética na derrota do nazismo, o modelo stalinista de socialismo se estendeu à parte oriental. No Ocidente, sentindo-se ameaçada após a destruição que provocara, bem mais evidente aos olhos das classes trabalhadoras, a burguesia aceita um novo pacto social, a chamada socialdemocracia ou estado de bem-estar social.

Um parêntese: no Brasil, nem isso. Derruba-se Getúlio, que com todas as suas contradições criara aqui um pacto social que as classes dominantes se esforçavam para destruir, até que o conseguiram em 64. Aqui combatíamos a forma (a ditadura getulista) e permitíamos o triunfo do conteúdo antipopular.

A descolonização da Ásia e da África trouxe muitas esperanças, cedo desfeitas, exatamente porque a violência das forças reacionárias, mesmo que cedendo terreno no centro do sistema, não poupou esforços, seja para promover massacres, seja para inventar lideranças fantoches violentas e corruptas naqueles continentes. Aqui na América Latina o privilégio da promoção desse reacionarismo coube aos donos do pedaço, os EUA.

Bom, não há espaço aqui para lembrar de tantas esperanças: Vietnã, Argélia, Congo, Cuba, Guatemala, Nicarágua, China, Egito e por aí vai. Em nenhum caso, as classes dominantes de todas as partes se mostraram dispostas a aceitar nada além da continuidade de suas formas de dominação e exploração.

Assim que o modelo stalinista de socialismo entrou em crise, o muro de Berlim caiu, a União Soviética acabou, os capitalistas de todos os países se uniram, aprendendo com Marx, criaram um novo Deus, o Mercado, romperam o pacto do pós-guerra e impuseram o neoliberalismo.

Ora, por que agora seria diferente? Ah! Porque para contornar a crise todos os grandes líderes mundiais tiveram que esquecer o receituário neoliberal, que, por sinal, enfraqueceu em toda parte a capacidade de lidar com uma tragédia sanitária. Todo mundo tem que ser ao menos um pouco Keynesiano. Até o Financial Times fala num novo pacto social.

Quais as chances desse pacto se parecer com algo diferente, fraterno, solidário, cristão que seja? Com as classes trabalhadoras debilitadas, desorganizadas, com as novas formas de trabalho precarizado, sem alternativa revolucionária, quem vai se sentar com quem em torno de que propostas?

Acho que o Brasil dá um grande exemplo de como tudo vai ficar. Com o Posto Ipiranga recuando de sua proposta inicial de deixar todo mundo desempregado e sem salário, e tendo que, momentaneamente e miseravelmente, distribuir algumas migalhas, o que você acha que se fará quando tudo isso acabar?

Nem mesmo na questão ambiental podemos ter alguma esperança, num país em que os que mandam têm um respaldo impressionante de gente que acredita que a Terra é plana, que vacina não serve pra nada, que coronavírus é invenção do comunismo, gente que em lugar da Ciência e da História, acredita num mito, que nem mito de verdade é. Essa gente é de uma classe que odeia os trabalhadores e quer vê-los morrendo. Estamos em maus lençóis.

Tem jeito? Tem, ou deve ter. Só não dá pra acreditar que virá como que por milagre, como que por uma revelação, por conversão, só porque estivemos todos à beira da morte, nos tornamos pessoas melhores. Falta é luta de classes!