A prefeitura de Araraquara, cidade do interior situada a 274 km de São Paulo, com população estimada pelo IBGE em 240.542, implementa uma política pública de fomento e apoio à Economia Solidária sob a gestão do prefeito Edinho Silva (PT), que administrou a cidade entre 2001 e 2008 e, atualmente, está no segundo mandato consecutivo, pois em 2016 foi eleito novamente prefeito e em 2020 se reelegeu.
O conjunto de programas e projetos que integra a referida política desperta o interesse de integrantes de empreendimentos econômicos solidários, gestores públicos que atuam na área, pesquisadores e militantes do movimento de EcoSol. Nos dias 20 e 21 de junho de 2022, doze integrantes do Fórum de Economia Solidária da Baixada Santista (FESBS) de quatro municípios da região, com apoio da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI) e prefeituras de Mongaguá e Peruíbe, fizeram uma excursão técnica àquela cidade com o objetivo de conhecer as ações do governo, como são implementados os projetos, os resultados e a organização dos empreendimentos econômicos solidários. Éramos sete representantes de empreendimentos, três gestores de políticas públicas de economia solidária e dois integrantes de entidades de apoio.
A prefeitura de Araraquara tem uma gerência no seio da Secretaria do Trabalho e do Desenvolvimento Econômico e Turismo que se ocupa especificamente da política pública de economia solidária. Há transversalidade nas suas ações, ou seja, atua em interação com outras gerências em programas de apoio à agricultura familiar rural e urbana, segurança alimentar, coleta seletiva, compostagem e qualificação profissional, por exemplo.
A nossa primeira parada teve o objetivo de conhecer as ações de apoio à agricultura familiar de Araraquara. Em um mesmo complexo, se situam os escritórios das Coordenadorias de Agricultura Familiar e Segurança Alimentar e do Sistema de Inspeção Municipal (SIM). Há, ainda, o Banco de Alimentos que, além de ser um equipamento que recebe, armazena e destina produtos doados à população em situação de vulnerabilidade, adota o mesmo procedimento com alimentos adquiridos por programas governamentais de compra direta, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa Municipal de Agricultura de Interesse Social . Este foi lançado em 2021 com recursos e operacionalização da prefeitura. Já o SIM de Araraquara aderiu ao Serviço Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal (SISBS – POA), o que permite que estabelecimentos que processam produtos de origem animal possam comercializar para todo o território nacional e não apenas no município.
O assessoramento técnico e organizacional aos agricultores familiares se dá em parceria com profissionais da prefeitura, CATI e Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (ITESP). Os agricultores participam de iniciativas econômicas solidárias, como as feiras de produtores, por exemplo.
Como parte integrante do Banco de Alimentos há, ainda, a Padaria Solidária e Unidade de Soja, que produz pães enriquecidos em proteína e bebida para distribuição às famílias em situação de vulnerabilidade social. Esta unidade também é utilizada em cursos de qualificação profissional.
Todos esses programas dinamizam a economia local e ofertam alimentos de boa qualidade em um quadro em que a insegurança alimentar acomete 60% da população brasileira.
A Cooperativa Acácia, que se dedica à coleta, triagem e comercialização de materiais recicláveis, foi a nossa segunda parada. A prefeitura de Araraquara cumpre o que determina a Política Nacional dos Resíduos Sólidos e contrata a cooperativa para a operacionalização da coletiva seletiva desde 2008, que cobre 100% da cidade. Helena Francisco da Silva é a presidenta da Acácia, que tem origem nos catadores avulsos que atuavam no lixão da cidade. Afirma que há, atualmente, 204 cooperados e que um dos grandes desafios é a formação dos trabalhadores para economia solidária. Desde a criação da cooperativa, em 2006, houve apoio do poder público com a cessão do terreno onde opera e financiamento de alguns equipamentos. A retirada mensal de cada cooperado é de R$ 1.200,00 com direito a descanso remunerado e abono de Natal.
O fato de ter recebido apoio do poder público em nenhum momento descaracterizou a autogestão da cooperativa. O cooperados fazem a gestão, em que pese o desejo da presidenta da Acácia para que haja maior participação em todas as etapas.
A terceira parada foi no restaurante popular que é administrado pela Cooperativa Panelas Unidas. Construído em 2007, esse equipamento tinha a gestão sob a responsabilidade de uma empresa até o presente ano. Por meio de edital da prefeitura, mulheres que se conheceram e se organizaram com base nos trabalhos realizados pelo Centro de Referência da Assistência Social e assessoramento de profissionais da Incubadora Pública de Economia Solidária, assumiram a gestão. Administram, ainda, um outro restaurante similar. A referida cooperativa é integrada por 15 pessoas que têm uma renda mensal de R$1.570,00. Importante ressaltar que integrantes de outros empreendimentos econômicos solidários almoçam no local, como os condutores de veículos.
A nutricionista responsável pela elaboração dos cardápios têm origem na empresa que antecedeu a cooperativa na gestão dos restaurantes. Devido à experiência que possui, foi convidada para ser contratada. No entanto, por acreditar no projeto da economia solidária optou por ser também cooperada. Esse fato encoraja e orgulha todas as pessoas envolvidas no projeto.
Em cada uma das cooperativas visitadas, Acácia e Panelas Unidas, houve roda de conversa com os seus integrantes para que o grupo da Baixada Santista pudesse compreender a organização dos empreendimentos econômicos solidários e a interação com a política pública. Nas duas cooperativas visitadas as mulheres eram maioria. O fato de integrarem esses empreendimentos possibilita que se amancipem efetivamente, inclusive com apoio mútuo para superação de problemas do cotidiano. Lutar contra o patriarcado requer mais do que difundir palavras de ordem nas redes sociais, exige ações, como as dessas mulheres.
As nossas guias foram as servidoras da prefeitura de Araraquara, Ana Patrícia Ferreira, gerente da Coordenadoria de Economia Criativa e Solidária e Vivian Pacheco, que gerencia a Incubadora Pública de Economia Criativa e Solidária. Chama a atenção também o fato de mulheres estarem à frente na operacionalização da política pública de economia solidária. Trata-se de um importante ensinamento.
A última parada foi no Espaço Kaparaó, em uma reunião com representantes de vários empreendimentos econômicos solidários que são acompanhados pela Incubadora Pública. Lá estavam egressos do sistema peninteciário que se organizaram em cooperativa social de trabalho, a Sol Nascente, que se dedica à limpeza de Áreas de Preservação Permanente, compostagem, podas de árvores e hortas comunitárias; representantes da Cooperativa de Trabalho em Serviços Gerais – Vitória Multisserviços, que tem 80 cooperados; condutores de veículos da Cooperativa de Transporte de Araraquara que utilizam aplicativo próprio, assim como entregadores que utilizarão aplicativo desenvolvido pela prefeitura.
O conhecimento dessas experiências fortaleceu as convicções dos integrantes do FESBS quanto à necessidade de o poder público estimular e apoiar a economia solidária. Diante do quadro de recessão, aumento do desemprego, precarização das relações de trabalho, emergência das plataformas digitais, aumento da situação de insegurança alimentar e esgotamento do modelo emprego/salário, impõe-se como necessária a implementação de políticas públicas pelas prefeituras para a geração de trabalho e renda. Afinal, as necessidades das pessoas se expressam na cidade, no local. Destinar recursos públicos para apoiar a economia solidária é investimento.
Há ensinamentos importantes a se tirar da implementação da política pública de economia solidária pela prefeitura de Araraquara, que podem ser utilizados na Baixada Santista. Tomar a decisão política é o primeiro passo e depende do prefeito/a, de ter uma opção pelo endodesenvolvimento, por agir com base na valorização das habilidades e talentos dos municípes para que de forma associada possam gerar trabalho e renda. Esperar uma grande empresa se instalar no município com a possibilidade de gerar centenas de empregos, o que caracteriza o exodesenvolvimento, é infrutífero, pois esse fato não acontecerá.
Decisão política tomada, é necessário ter uma legislação municipal da economia solidária que garanta a criação de um centro de referência com uma incubadora de empreendimentos econômicos solidários, fundo para investimento e conselho. É de grande importância a disponibilização de servidores que atuem no assessoramento às pessoas que queiram se associar para prestar serviços e produzir.
É necessário que sejam profissionais que tenham formação para esse tipo de trabalho, que acreditem na construção de uma economia sem patrões, que ajam de acordo com a lógica dos coletivos e não com base na sua própria lógica – seja política-partidária ou de outra ordem. Devem criar ambientes de harmonia sem imposições de ideias e procedimentos. É determinante que sejam capazes de estimular a construção de alianças com diferentes segmentos em torno dos empreendimentos para viabilizá-los para a pós-incubação com base nas redes sociotécnicas construídas. A relação entre esses servidores e os integrantes dos empreendimentos não pode ser a de criação de dependência por anos para fortalecimento do micropoder para torná-los reféns do Estado e, consequentemente, da manipulação. Emancipação se alcança como resultado de um processo que não pode ser eterno. No entanto, conquistada essa condição, não significa que os empreendimentos econômicos solidários devem abrir mão de políticas públicas que fortaleçam a economia solidária.
Em Araraquara, para a criação das cooperativas há apoio financeiro da prefeitura e assessoramento técnico e organizacional, inclusive para atender as exigências de editais. Os contratos de prestação de serviços estabelecidos entre a prefeitura e estes empreendimentos econômicos solidários são importantes para a geração de trabalho e renda. Afinal, se as prefeituras estabelecem contratos de prestação de serviços com empresas, por que não com as cooperativas ? Há necessidade de se colocar fim ao preconceito às cooperativas e, ao mesmo tempo, ao endeusamento de empresas individuais.
É comum as prefeituras da Baixada Santista oferecerem cursos de manicure, cabeleireiro, pizzaiolo, aromaterapia, montagem de bijuterias, costura criativa etc. Após algumas horas de explicação de técnicas, ganha-se um certificado. Questões: o que muda na vida das pessoas uma ação isolada como essa? O que farão com as informações um curso e nada mais? Qual mudança estrutural promove na economia do município a oferta de cursos? Quais resultados são alcançados? Muitas vezes essa tapeação é feita com apoio do governo estadual em um projeto denominado Via Rápida. Sabe-se que por meio de vias rápidas não são os trabalhadores que alcançam a emancipação e se livram das condições de pobreza e miséria.
O enfrentamento dos desafios do capitalismo do século XXI exige uma análise mais aprofundada da realidade e políticas públicas que integrem projetos que objetivem a geração de trabalho e renda de forma associada. Necessita-se de formação para governar, compromisso com os trabalhadores e iniciativa.
Era grande a expectativa dos integrantes da excursão à Araraquara, que foi uma verdadeira incursão na economia solidária daquele município. Afinal, há muito os integrantes do FESBS lutam para que as nove prefeituras da Baixada Santista assimilem a economia solidária como política pública. Como vimos, boa referência para a nossa região existe.
Fica o agradecimento aos integrantes dos empreendimentos econômicos solidários de Araraquara, aos profissionais que nos receberam e ao vice-prefeito e titular da Secretaria do Trabalho e do Desenvolvimento Econômico e Turismo, Damiano Neto, que gentilmente nos recebeu em nome do prefeito Edinho Silva.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Folha Santista.