A tarifa do transporte coletivo de Santos aumentou para R$ 4,65 em 13 de janeiro deste ano. O impacto sobre os usuários foi significativo, 8,1% sobre a tarifa anterior de R$ 4,30, contra uma inflação em 2019 de 4,3%.
Atualizei para 2020 pesquisa que o IBGE fez em 2017, e conclui que a metade mais pobre das pessoas ocupadas, ou 46 milhões de trabalhadores, ganham, em média, R$ 888/mês.
Considerando os R$ 4,65 de Santos e que o trabalhador pague apenas duas passagens/dia, 22 dias/mês, a nova tarifa consome R$ 205,00/mês, ou 23% dos R$ 888,00. Essa carga enorme por conta do transporte recai sobre os trabalhadores informais, que já são 41% das vagas ocupadas, sobre os 11,2% de desempregados e 5% dos que desanimaram de procurar emprego. Ou cerca de 53 milhões de trabalhadores.
Se acrescentarmos, ainda, as dezenas de milhões de pessoas “do lar”, igualmente sem vale transporte, talvez se tenha algo como metade da população brasileira arcando com um custo de condução insuportável, especialmente para os que estão desempregados. A tarifa zero seria um fantástico programa de redistribuição de renda.
Os que discordam da proposta argumentam que “não há almoço grátis”. Mas, pergunto, há catracas quando se vai ao posto de saúde? Matricular o filho na escola pública, inclusive em universidades públicas de referência? Andar na praia, cuja areia é limpada diariamente? Devanear, a pé ou de bike, por entre jardins tão extensos e de caros cuidados a ponto de nos orgulharmos por estarem no Guinness Book? Há catracas quando nosso lixo é retirado a cada dia? Quando somos vacinados, transportados pelas ambulâncias do Samu, socorridos pelos bombeiros nas mais diversas situações e quando caminhamos nas ruas?
Para que a tarifa zero tenha seus efeitos redistributivos, seu custo tem que ser pago por aqueles com renda superior, por exemplo, com IPTU progressivo, ou seja, alíquotas maiores para imóveis mais caros e por ISS tão mais elevado quanto maior a sofisticação dos serviços.
Questionam outros, como controlar custos quando a tarifa é zero? A resposta é o contrato de gestão entre prefeitura e operadora, seja esta privada ou pública. O lucro não garante o controle de qualidade, a equidade, a eficiência e a eficácia: a Vale, com lucros enormes, é a responsável pelas tragédias de Mariana e Brumadinho! Parâmetros bem definidos, quando fiscalizados e cobrados, são um bom instrumento para fazer as coisas bem-feitas.
A tarifa zero já é uma realidade em muitos lugares. No mundo, há várias experiências exitosas, como Châteauroux/França; Hassel/Bélgica; Lubben/Alemanha; Island County/Estados Unidos. A Estônia, após testar a tarifa zero por cinco anos em sua capital, Talín, vai implantá-la em todo o país, para ônibus, metrô e trens.
No Brasil, já são pelo menos 13 cidades, em seis estados. Exemplos: Paulínea/SP, Pitanga/PR, Maricá/RJ, Anicuns/GO, Eusébio/CE, Monte Carmelo/MG (funcionando há 26 anos).
Em 1988, escrevi entusiasmado artigo em A Tribuna intitulado “Tarifa Zero”. Volta e meia relembro o assunto, tamanho o positivo efeito social que a medida traria. A prefeita Erundina (1989-2003) tentou em São Paulo, conforme lembrou seu secretário de transportes Lúcio Gregori, em entrevista recente à revista Carta Capital. Não conseguiu, mas a semente vem germinando. As eleições 2020 estão aí: o que pensam a respeito os prefeitos e vereadores, atuais e candidatos, da Baixada Santista?