Siqueirinha vinha epifânico a chutar ondas onde a água beija a areia. Via ao longe a pequena ilha, desabitada, a poucos metros de horrendos prédios e pensava, que privilégio. Há pequenas ilhas de conforto em meio a essa turba.
Siqueirinha era o que se pode chamar um privilegiado. Do pai, o grande Siqueira, herdara fortuna e posição social. Tudo bem que o mesmo pai lhe solapara o orgulho da meritocracia, conceito tão difundido entre seus pares, mas isso o Siqueirinha resolvia mentindo um pouco – dizia-se um grande intelectual, professor da Sorbonne, amigo de influentes e poderosos.
Isso, de certa forma, mortificava o pobre, os amigos “influentes e poderosos”. Embora levasse vida de nababo, bem além de seus méritos, Siqueirinha maduro ainda emulava a figura paterna, o fantasma de Siqueirão como que lhe repetia diuturno sua insignificância.
Pois nesta manhã epifânica, chutando ondinhas na orla, o sorriso visível no rosto sem máscara, Siqueirinha tropeçou na lâmpada. Abaixou, pegou o objeto e o esfregou. Foi quando saíram não um, mas dois gênios arrogantes. Um falava e o outro registrava. O que falava então falou:
“Positivo e operante. Amo, tens direito a um único pedido”.
“Pô, não seriam três?”.
“Já tens de um tudo. Um pedido te é suficiente”.
Siqueirinha pensou, pensou nos anos de folguedo melancólico, tinha tudo, mas era um anônimo, inclusive os pares lhe recomendavam discrição, se a sociedade começa a ver nossos privilégios injustificáveis nós estamos na roça. Ele almejava a notoriedade, queria acreditar merecer tanto. Foi objetivo com os gênios:
“Eu quero ser famoso”.
“Como assim?”, perguntou o segundo gênio, o que segurava um celular.
“Famoso, pô. Assim que nem o Sérgio Moro”.
O segundo gênio então jogou o vídeo na internet e proferiu um belo brocardo latino:
“Fiat voluntas tua”.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Folha Santista