Era domingo no Torto, casa cheia, e lá pelas tantas chega a notícia: sumiram duas bolsas. Esse é o tipo de ocorrência que me irrita profundamente. Já fazia um bom tempo que não acontecia nada parecido. Da última vez, nossas câmeras internas desvendaram o mistério com um registro cinematográfico que não deixou dúvidas. Resolvi esse caso com a autora do delito, após uma conversa franca e privada no Facebook, e confesso um misto de prazer e decepção nesse feito, até porque a moça se dizia minha amiga.
Dessa vez, como de costume, quando alguém perde algo, demos o alerta geral para todos os funcionários. Logo na sequência acharam as bolsas remexidas no banheiro feminino. Devolvemos às proprietárias que, agradecidas, conferiram seus pertences. Demos sorte! Não houve prejuízo algum para as vítimas. Acredito que a “mal-intencionada” procurava por dinheiro, celular ou algum outro objeto de valor e, como não achou, dispensou a prova do crime. Não demorou pra terceira bolsa da noite sumir e, mais uma vez, ela foi encontrada no lixo do banheiro com tudo intacto.
Inconformado, passei a procurar alguma mulher com atitude suspeita por todo canto do bar. Por motivos óbvios já sabíamos que a autora era do sexo feminino. Sigo, mais uma vez, em direção aos banheiros e sou abordado por uma cliente e amiga de longa data que pergunta: Michel, você conhece aquela loira estranha que está ali no balcão em frente ao palco? Observo, analiso e digo que não me recordo de tê-la visto na casa. Questiono a razão da pergunta e sou informado que a dita se aproximou sozinha, se instalou no meio de onde ela e suas amigas estavam e uma delas percebeu um puxão na sua bolsa.
Resolvi checar de perto e me posicionei próximo àquela pessoa de fisionomia esquisita e olhar distante. Ela parecia estar num outro planeta, o som rolava alto e a impressão que eu tive é que pra ela não existia ninguém tocando. Cheguei perto com uma garrafa de cerveja na mão e fiz o tipo embriagado sonolento.
Passei a observar o comportamento da suspeita disfarçadamente. Reparei que havia uma carteira preta pequena encostada no balcão e que a “figura” já estava de olho. Na sequência a observei abrindo o zíper da própria bolsa de boca larga e tudo indicava o preparo do golpe.
Logo a vi dar uma puxadinha na carteira do balcão e ali tive a certeza que o furto aconteceria. Esperei mais um pouco e bingo! Peguei no seu braço bem na hora que ela mandou a carteira pra dentro da sua bolsa e evitei, assim, que ela agisse mais uma vez.
Confesso que, no calor dos fatos, falei no ouvido dela uma variedade de palavrões inevitáveis para um momento tenso como esse. Conduzi a meliante em direção ao caixa e à porta de saída respectivamente. Era uma mulher que aparentava mais de 50 anos de idade e estava sozinha no bar. Gente da pior espécie que sai de casa predisposta a fazer maldade.
Lidar com situações como essa não é nada fácil. Um erro de interpretação ou a falta da absoluta certeza pode custar caro ou gerar consequências desastrosas nesse tribunal impiedoso chamado “redes sociais”. Fizemos a ladra pagar a conta, checamos mais uma vez se as vítimas deram falta de algum pertence e tocamos a vida e a noite sem aquela inconveniente presença.
Fica o alerta do perigo que uma simples bolsa grande na balada pode representar. Naquela outra ocasião citada acima, desvendada através das câmeras de segurança, a peste também portava uma bolsa enorme e o modo de agir foi o mesmo. Nas duas ocasiões, após solucionarmos o problema, agradecemos “educadamente” a ausência eterna de ambas no bar e seguimos com a sensação de alívio e dever cumprido.
A noite tem seus encantos, porém existe um lado chato, complicado e bem difícil de administrar. Por muitas vezes, a intuição e a experiência ajudam a prevenir o pior, mas isso nem sempre é possível. Que os anjos da noite continuem a proteger nossas almas boêmias e nos afastem de todo mal causado pelo olho e a bolsa grande.