Alcebíades teve sífilis na adolescência. Precoce na sexualidade, catou um dinheiro do pai e foi a um prostíbulo da rua Brás Cubas. Fartou-se com uma jovem paranaense que se recusou a beijar na boca.
Três dias depois saiu-lhe na glande uma pequena úlcera, que sozinha se curou. Alcebíades nada falou aos pais e nem a médico foi, pois passou. Com seis meses as úlceras lhe saíram na garganta. Ao fumar um simples cigarro teve tontura e caiu. A mãe o levou no médico e foi constatada sífilis em estágio avançado. O próximo passo seria a cegueira, e depois fim.
Foram incontáveis sessões de antibióticos, Benzetacil na veia, dietas e confinamento. Mas Alcebíades se curou. Adulto, no emprego, foi solicitado a doar sangue e ia colaborar com gosto quando veio a pergunta:
“Já teve sífilis ou hepatite?”.
“Sífilis, mas estou curado”.
“Não pode”.
Foi assim que ele descobriu que carregaria alguns vírus remanescentes pela vida toda, ou seja, não apagou do organismo a civilização viral, guardou uns indivíduos não letais.
Os vírus são criaturas estranhas. Destroem a própria casa e, sem casa, destroem-se a si próprios. A sanha destrutiva é a marca dos vírus, embora haja alguns deles que prefiram deixar o organismo vivo e seguirem em paz, vivendo em harmonia. Atentem para esta palavra, harmonia, tão parecida a ecologia.
O ser humano é um vírus cuja função é destruir seu hospedeiro, o planeta. O planeta se defende com seus anticorpos, que o vírus humano acusa de virais. É quase certo que os homens vão destruir a Terra, e morrer depois, por falta de casa. Incompetentes, não acharam outro corpo pra contaminar. Não nascem batatas em Marte e nem há rios na lua. A sífilis de Alcebíades era um vírus mais sabido, espalhava-se pra outros corpos pelo vetor Amor, do qual o vírus homem pouco parece entender.
Alcebíades se curou. Livrou sua casa dos vírus malvados que quase o mataram. Eram microorganismos insidiosos, vestidos de amarelo e que gritavam “mito, mito”, enquanto acabavam com as reservas naturais de Alcebíades. A Benzetacil agiu feito um corona, e extirpou todos os vírus malvados da sífilis daquele corpo. Deixou uns poucos, é verdade, por isso ele não pode mais doar sangue – de vírus bonzinhos podem nascer vírus malvados. Estes poucos vivem de boas no organismo de Alcebíades. Em Harmonia. Todas as manhãs e tardes batem palmas pro sol, dizem namastê a torto e a direito, vendem miçanga e se vestem de vermelho, por solidariedade a uns tais glóbulos, não os brancos.