A preocupação e as previsões de tempos sombrios dos economistas, investidores e empresários são todas plausíveis e pertinentes. Porém, creio que são os especialistas no assunto – membros ou não da equipe do governo – que têm obrigação de estudar as possibilidades e encontrar soluções para amenizar os problemas atuais e propor estratégias futuras para retomada da economia do país.
Da mesma forma, penso que não faz o menor sentido agir de maneira a contrariar as orientações da OMS para conter essa pandemia. O ideal nessa circunstância, acima de tudo, é ouvir a opinião dos médicos, cientistas, especialistas em saúde pública e seguir os protocolos preventivos que a maioria das lideranças do mundo inteiro adotou.
O grande desafio conjunto é agir sem colocar a vida das pessoas em risco, fundamentado, principalmente, na experiência dos países que já atingiram o pico da crise; priorizar as classes sociais mais vulneráveis e, especialmente, as pessoas que pertencem à faixa etária mais suscetível às complicações provenientes do Covid-19. O inaceitável é sobrepor a saúde da economia à vida humana.
Amplificar os erros ou discutir política para defender partido “A” ou “B”, nesse momento, quando nos vemos diante de uma crise absolutamente inusitada, também não faz sentido e me parece inoportuno. Afirmar com todas as letras qual é o caminho correto a seguir, quando ninguém no mundo sabe aonde isso vai chegar e nem quando exatamente vai parar é pretensioso demais. O problema é realmente complexo e muito difícil para qualquer governante.
Decisões desse porte lembram a histórica queima de café que ocorreu aqui em Santos no ano de 1931. Parecia loucura, mas foi a solução que Vargas encontrou para salvar a economia do país. O governo comprou todo o café para diminuir a oferta no mundo e, sem demanda de consumo, botou fogo. Só que dessa vez, ao invés de café, se não tomarmos os devidos cuidados e errarmos o caminho, corremos o risco de queimar os nossos pais e avós.
É por eles e considerando tudo isso que devemos ficar em casa. Faço um apelo a todos aqueles que têm melhor condição financeira: se esforcem e tentem enxergar um pouco além dos problemas subjetivos que vos afligem. Nesse momento, onde existe a possibilidade de vivermos “tempos de guerra”, os privilégios precisam ser assumidos e compartilhados.
Sorte ou Azar?
Voltando à economia, entendo perfeitamente as colocações e preocupações dos pequenos empresários e acredito, de verdade, que todos vocês, com fé, dedicação, paciência, criatividade e um pouco de sorte, vão superar essa fase. Quem conhece parte da minha história sabe que fui empresário durante muitos anos (34) e posso afirmar que sei bem o que é “não ter e ter que ter pra dar”.
Vou citar três experiências próprias pra finalizar e não me estender:
1- Nos anos 90, durante o desastroso “Plano Collor”, que culminou no confisco das contas correntes e poupanças de todos os brasileiros, administrava um Buffet, ofício que assumi após meu pai adoecer. Facilitávamos os pagamentos de algumas festas de clientes (formaturas, casamentos etc) e os valores pagos eram depositados mensalmente em poupanças conforme recebíamos as parcelas. Ficamos sem o dinheiro e fomos obrigados a honrar os compromissos.
2- Passamos pela experiência do fechamento compulsório do Torto Bar durante seis meses do ano de 2013 – efeito Boate Kiss, Santa Maria-RS – e, portanto, sei bem o quanto é difícil sobreviver a essas circunstâncias. Na ocasião, não tivemos o perdão de ninguém – (bancos, prefeitura, governo, aluguel, fornecedores etc) e contamos apenas com a compreensão dos funcionários, a ajuda dos familiares, alguns músicos da casa e, óbvio, com a imensa família de clientes e amigos apaixonados pelo bar, que lotaram a casa após a reabertura e nos permitiram a retomada.
3- Na sequência, em 2017, após 33 anos de atividades e toda essa luta incansável – que ainda vai virar um “longa metragem” – fomos obrigados a encerrar as atividades contra a nossa vontade e por motivos que até hoje não entendi. O proprietário da loja resolveu acabar com a nossa alegria e creio que após quase três anos arcando com os custos de um imóvel fechado, tenho quase certeza que deve estar arrependido. Aprendi com a vida a aceitar as adversidades e a sempre questionar: sorte ou azar?
“A vida é um fenômeno tão complexo, que às vezes é bem difícil dizer se algo que acontece é definitivamente ruim ou bom, porque nunca saberemos as consequências da má sorte ou da boa sorte”.
O trecho acima faz alusão à “História do Fazendeiro Chinês”, de Alan Watts, que me incentivou a pensar numa vida mais simples, com mais aceitação e menos preocupação, porque existem acontecimentos ruins que podem se tornar bons e caminhos que aparentam ser o melhor, que nem sempre nos conduzem ao paraíso.
Desejo dias melhores para todos nós e uma boa dose de fé na humanidade!