Foto: Agência Brasil

“Digo: o real não está na saída nem na chegada:

ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”

(João Guimarães Rosa).

Faz cinco anos que tento viajar uma vez ao ano. Minhas viagens, geralmente, têm alguns propósitos especiais: conhecer pessoas, culturas e me conectar com a natureza.

Em 2016, fui para Cuba e permaneci nove dias em Havana, encantada com a riqueza das histórias dos cubanos. A cada passeio conhecia alguém com uma narrativa de vida mais interessante do que a outra.

Em 2017, para a Amazônia, tendo contato com a amplitude da natureza e com minha insignificância. Em 2018, fui ao Peru, valorizando a ancestralidade ameríndia. Em 2019, fui a Roraima subir o Monte Roraima, que, assim como toda montanha para os indígenas, é considerada uma casa de espíritos.

Para todas as viagens me preparei, vi mapas, estudei caminhos, pensei na tendência climática, separei dinheiro, passaporte. Enfim, planos para novos caminhos e experiências que se apresentam.

Quando adoecemos, também podemos tentar nos planejar para os possíveis trajetos. Em geral, ao recebermos ou darmos um diagnóstico de alguma enfermidade, pensamos nas várias possibilidades que se colocam à nossa frente. Envolvem desde expectativas de cura, possibilidades de cirurgias, necessidade de quimioterapia, risco de mudanças na autoimagem, até a morte.

Como num mapa, há várias estradas que podem levar de uma situação a outra e serão diversos os fatores que direcionarão o percurso. 

Com as informações adequadas, podemos ajudar a escolher a melhor rota para nós, o que não necessariamente significa uma estrada asfaltada de uma autopista.

Cada um tem a travessia que julga ser a melhor, que pode ser uma rota fluvial, como no barco redário que peguei de Manaus a Santarém, ou uma trilha andada à pé na altitude inca. Tudo depende do que estaremos dispostos a enfrentar.

O importante é que, informados, podemos saber se levamos capa de chuva ou protetor solar. Se levamos mochilas para carregar barracas de camping ou se dormiremos em camas.

Na minha viagem a Roraima tive um problema com o voo da volta, o que arriscaria um compromisso em São Paulo inadiável. Iria prestar uma prova de validação profissional muito importante. Por isso, tive que alugar um carro e viajar 800 km na BR-174 entre Boa Vista e Manaus para pegar o voo deste aeroporto.

Essa aventura durou mais de doze horas e hoje, passado um ano, percebo tudo de interessante que apreciei: populações ribeirinhas, a terra indígena Waimiri-Atroari, rios, cruzei a Linha do Equador. Passei por um município chamado Cantá que expunha um malariômetro contabilizando 1.200 notificações de malária de janeiro a setembro de 2019.

Mas, no momento dessa viagem, que hoje tem uma descrição aventureira e curiosa, eu estava preocupada, porque foi uma decisão tomada sem planejamento prévio e até sem opção. Ou eu fazia essa viagem ou perdia meu compromisso. Então, entendo que escolher caminhos de forma compulsória, sem planejar, é algo sofrido, mesmo que seja muito interessante tudo que esteja ao redor.

Nesta semana estou cuidando do seu Teófilo, um sergipano que adoeceu recentemente e está numa situação bem crítica de saúde. Quando o conheci, ele já estava bem frágil, mas com muitas esperanças de que o tratamento de quimioterapia o colocasse na possibilidade da estrada da cura.

Desde o princípio conversamos sobre as possibilidades de diversos cursos da doença, conforme o tratamento, e usei essa analogia das estradas. Todos nós estávamos na expectativa de melhora. Porém, apesar de iniciarmos a quimioterapia, ele não evoluiu bem. Após uma semana do início do tratamento, teve uma piora bem significativa.

Hoje, cheguei ao hospital e sua esposa, Sônia, me disse: “É, Juliana, a estrada que ele pegou não foi a que esperávamos. Ele está partindo”. Senti dor na sua voz, mas ele e ela estavam preparados para essa possibilidade, não foram pegos desprevenidos.

Tenho um caderno em que tento anotar ao menos uma frase diária que posso lembrar de pessoas importantes de quem eu cuidei. Hoje, anotei no meu caderninho a frase da Sônia: “Não vou sair do hospital com meu marido em boa saúde, mas te agradeço por tudo, tenho certeza de que a estrada que ele pegou o levará para um lugar maravilhoso”.

Na minha estrada, quero sempre estar de olhos abertos e recebendo uma brisa no meu corpo. Não tenho a ilusão de que não terão tortuosidades ou subidas íngremes, mas elas também me levarão a novos lugares, quem sabe até um lindo mirante, descortinando panoramas deslumbrantes.

Quero que meu caminho sempre tenha flores, penso no Manacá das encostas da Serra do Mar, com seu roxo, que costuma florescer entre novembro e fevereiro. Quero também constatar que em cada trecho percorrido deixei parte de mim, com possibilidades de transformação.

Na travessia da nossa existência passaremos por diversas estradas. Teremos momentos calmos, asfaltados e até monótonos. Passaremos por rios, mares, reservas, montanhas. E enfrentaremos tempestades. Mas, é nesse caminho único que se dispõe a nossa vida e onde construímos a nossa história e a nossa felicidade.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Folha Santista