A arte é um reflexo das experiências vividas. Apreciar as obras de Frida Kahlo, por exemplo, é assistir a uma aula de dor. O acervo de pinturas da mexicana é um autorretrato de uma vida marcada por um acidente que a fez sofrer mais de 20 cirurgias e a deixou em diversos períodos acamada. E, também, das tristezas de seu conturbado relacionamento com Diego Rivera, cheio de infidelidades, e de seus abortos. A dor é retratada com tamanha transparência em cada uma das telas, que conseguimos nos conectar com um sentimento que, em geral, é exclusivo, privativo e intransferível.
O adoecimento causa sintomas no corpo desagradáveis, e um dos mais temidos é a dor. Não é à toa que, na definição de cuidados paliativos, ela está lá:
“Abordagem que promove qualidade de vida de pacientes e familiares que enfrentam doenças que ameacem a continuidade da vida, através da prevenção e alívio do sofrimento. Requer a identificação precoce, avaliação e tratamento da dor e outros problemas de natureza física, psicossocial e espiritual”.
Li num texto de Martha Medeiros, escritora e poetisa gaúcha, que o maior medo do ser humano, depois do medo da morte, é o medo da dor. Lá ela faz uma reflexão sobre a dor física a descrevendo bem, e também fala que a mais temível é a dor emocional, porque essa não tem medicamento que “dê jeito”.
Nesses meus anos de oncologia, consegui aliviar muitas dores das doenças, com morfina e outros analgésicos mais simples e outros mais fortes. O mais difícil, para mim, foi aliviar a dor da perda, foi acolher o medo da morte, foi amparar a insegurança sobre um futuro incerto, a angústia de não saber o que dizer.
Nesses tempos de isolamento social pela pandemia tenho refletido muito sobre isso. Percebo muitas dores da alma. Dores de insegurança sobre o futuro, dores do distanciamento de entes queridos, do medo de adoecer, do medo de morrer, de perder o emprego, de não ter renda. Acho que de algum modo todos nós estamos doentes pela Covid-19, alguns fisicamente e todos emocionalmente. Cada indivíduo tem sua própria vivência que induz a uma subjetividade diante de desafios e envolve respostas afetivas e cognitivas.
O cuidado paliativo tem um termo que se chama “dor total”, que mostra a importância de todas as dimensões indissociáveis do sofrimento humano: físico, mental, social e espiritual, que devem ser igualmente investigadas e consideradas. Quando alguém adoece pode desenvolver dor psíquica por medo da morte, medo do sofrimento, ter tristeza, raiva, revolta, desespero, melancolia. Dor social envolve a dependência que o processo causa, o sentimento de inutilidade. Dor espiritual relaciona-se, muitas vezes, a culpas, à falta de sentido na vida. São as dores do viver.
Viver essa epidemia é viver em uma montanha russa de emoções, porque, de fato, não sabemos como vamos viver daqui por diante. E não sabemos, também, quando nossa vida voltará para o mínimo de normalidade. É angustiante não saber o que dizer para tantas pessoas afetadas, a evidência de não poder parar e a ansiedade por uma solução com frenéticas investigações. Nada do que vivemos até hoje no século XXI é comparável a este capítulo.
*Expressão da romancista e poetisa Ana Maria de Nóbrega Miranda