Eu queria lembrar quais foram as primeiras palavras que eu escrevi numa folha, queria lembrar a sensação que despejá-las despretensiosamente num papel qualquer me causou no início de tudo, quando, por alguma razão que recordo ainda menos, escrevi pela primeira vez para despejar algo de dentro para fora numa tentativa de materializar o que eu sentia, como se pudesse entender se eu pudesse observar.
Hoje, ao olhar as palavras quando escrevo, enxergo a contorção dos meus silêncios e percebo a profundidade timidamente escondida em cada looping das letras “e” e em cada abismo das letras “o”. E, embora cada palavra carregue um peso impossível de medir, ainda não conheço uma que seja exatamente do tamanho do que eu gostaria de dizer, e isso me causa uma sensação estranha, algo que me faz duvidar da verdade nos meus versos.
Talvez seja essa minha sina, procurar a combinação perfeita de palavras para que, ao entranhá-las numa folha, imprima ali tudo de mim e dê voz aos meus barulhos. Mas me vejo muito mais complexa do que consigo descrever, como se, de alguma forma, precisasse cunhar meus próprios termos, criar minhas próprias palavras e juntá-las numa sentença irretocável e perfeita.
E eu sempre fui curiosa, sempre admirei a natureza e sempre quis entender os porquês das coisas. Quando alguém, íntimo ou não, me relata sobre um ponto de vista ou um pensamento, eu questiono a fim de entender por que aquela pessoa vê de determinada forma. Não questiono para confrontar – não mais – questiono para perceber as sutis diferenças que nos fazem ver a mesma coisa sob prismas tão distintos.
Nossa visão só pode ser carregada do que temos por dentro, concluo ao olhar de soslaio. Por isso, escrevo poesia. Até meus textos são poesia. Não precisa ser verso embaixo de verso, rimar, enquadrar. Poesia está em cada pedacinho de mim que chora – mesmo nos dias mais bonitos – por empatia. E no amor que eu persigo – puro – esperando encontrá-lo por acaso, num esbarrão ou num abraço, num livro ou numa música.
E eu transbordo, em lágrimas e em compreensão, não sempre, não com tudo e todos. Não sou ingênua, sou observadora. Aprendi aos trancos que perseguir os sentimentos errados, que equivocadamente apelidamos de amor, causa vazios apenas possíveis de entender através da poesia. Por isso, escrevo: por que preciso.
E ainda não sei nomear todos os meus vazios, mas sei apreciar sua densidade, sua massa ubíqua que me preenche e me põe a esquecer os propósitos e repensar os motivos, buscar ser melhor e colorir os espaços.
Não é confortável olhar no fundo dos meus olhos e encarar o escuro dentro da minha pupila. Para além do universo impresso em minha íris, de quantos cantos desconhecidos eu sou feita? De quanta coragem preciso para me enxergar – sempre – no ápice de minhas prioridades, sem acreditar que isso seja algum tipo de egoísmo, como me fizeram acreditar.
Ainda temo me desvendar e me descobrir – embora esta seja exatamente a minha maior busca – e perceber que muito de mim foi silenciado por medo de parecer expansiva demais e incomodar pessoas que vivem sustentando uma imagem.
Quanto de mim está calada, sentada num canto abraçada aos joelhos? Quanto de mim ainda espera por alguma permissão sobrenatural para existir além das arestas impostas?
Eu me abraço agora, seguro minha própria mão e me digo que, me diminuir para não causar incômodos alheios não ajuda ninguém.
Então, eu me permito tentar ser – aqui e agora – uma versão de mim que não demanda esforço ou atenção, retoques ou adequação, manuais ou códigos de conduta para existir exatamente por ser EU, em minha essência mais íntima e livre.
Tentar ser EU até que EU seja.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Folha Santista