Foto: Divulgação/Funai

Em 20 de janeiro deste ano, Dia Nacional da Consciência Indígena, foi organizado em Santos o Ato Inter-Religioso “Religiões Contra a Intolerância”. Estiveram presentes líderes religiosos umbandistas, anglicanos, evangélicos, judeus, católicos e do candomblé. Participaram, ainda, 50 indígenas de diferentes aldeias da Baixada Santista e foi criado o Observatório de Apoio, Defesa e Valorização dos Indígenas da Baixada Santista, Vale do Ribeira e Litoral Norte.

Trata-se de uma organização permanente e suprapartidária de articulação, integração e intercâmbio, e também como instrumento de apoio, fomento, assessoria técnica e de organização de debates, eventos e atos públicos que possam contribuir com o fortalecimento dos indígenas.

Até a presente data 36 entidades assinaram o Manifesto de Lançamento do Observatório. Representantes de outras entidades que queiram aderir ao movimento podem fazer a solicitação pelo e-mail [email protected]. Está programado um seminário para o dia 28/03/2020, com o objetivo de definir o programa de trabalho do Observatório. A cidade onde ocorrerá o evento será definida em reuniões prévias de preparação com os indígenas.

Diante das ameaças do governo Bolsonaro aos indígenas com o objetivo de favorecer o capital em detrimento do meio ambiente, da cultura e do conhecimento dos povos tradicionais, incluindo os quilombolas, emerge a necessidade de operacionalizarmos uma frase que percorre as redes sociais: “Ninguém Solta a Mão de Ninguém”. No caso dos indígenas, as mãos que lutam por um Brasil justo, plural e democrático, devem se unir no Observatório. Segue o Manifesto.

Manifesto de lançamento do Observatório de Apoio, Defesa e Valorização dos Indígenas da Baixada Santista, Vale do Ribeira e Litoral Norte

Baixada Santista, 20 de janeiro de 2020 – Dia Nacional da Consciência Indígena

As populações tradicionais brasileiras se tornaram o principal alvo de um governo comprometido somente com o capital. Cotidianamente são realizadas ameaças ou ações com o objetivo de enfraquecê-las para que sejam beneficiados, principalmente, setores de mineração, agronegócio, extração de madeira e imobiliário.

Ao desconsiderar os direitos da fração indígena do povo brasileiro, o governo vem desprezando sua contribuição à formação nacional e afrontando a Constituição da República. O Art. 231 da Constituição estabelece: “São reconhecidos aos índios sua organização social, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. Isso implica a continuidade de assistência às comunidades sediadas em áreas ainda não demarcadas, ao contrário do que determinou recentemente a direção da Funai ao proibir o trabalho de servidores nessas terras.

Em sequência a ações ou omissões das autoridades, assistimos ao acirramento de conflitos, como assassinatos de indígenas da etnia Guajajara, inclusive o líder Paulino Guajajara, em confronto com madeireiras que atuavam ilegalmente na terra indígena Araribóia, no estado do Maranhão. São reduzidas verbas e ações necessárias, enquanto aumenta, por outro lado, a atuação de mineradoras e madeireiras em áreas indígenas, tradicionalmente preservadas. 

O processo de desmonte da Funai é uma realidade desde o primeiro dia do exercício do mandato da atual presidência da República, quando se tentou, via medida provisória, retirar do órgão, a atribuição de demarcar terras indígenas.

Ainda que tal tentativa não tenha logrado êxito, desde então o que se tem notícia é da redução de verbas, incentivo à exploração em áreas de proteção ambiental ocupada por determinadas etnias, ataques verbais de agentes do governo ao viver dos indígenas e a exoneração de servidores engajados na defesa das populações originárias.

Tal quadro alcançou o estado de São Paulo, como ficou claro na exoneração do coordenador da Região Litoral Sudeste da Funai, que prestava há 20 anos serviços ao órgão. A notificação por Diário Oficial em 25 de novembro de 2019, sem qualquer diálogo com as comunidades envolvidas, levou os indígenas a ocuparem a sede da Coordenação Regional Litoral Sudeste da Funai, em Itanhaém/SP, por 24 dias na tentativa de estabelecer diálogo com a direção do órgão.

Além disso, enviaram uma comissão de dez indígenas à Brasília com o mesmo objetivo. No entanto, não foram atendidos. Lembre-se que a Funai deveria exercer papel fundamental no diálogo entre o Estado e os povos indígenas. Não se trata de favor, mas de dever estatal a quem, independentemente da vontade de governos de ocasião, cabe efetivar os direitos previstos na Constituição e em tratados internacionais.

Na Região Metropolitana da Baixada Santista há 1.400 indígenas em 30 aldeias localizadas em seis municípios que praticam artesania, turismo de base comunitária, agroecologia e que, sobretudo, preservam as matas dos locais onde vivem. A garantia dos seus direitos de forma que lhes assegure a existência com boa qualidade de vida se impõe.

Para essa finalidade, em tempos de intolerância étnica e racial, religiosa e de gênero, a resistência por meio de estudos e ações que garantam o fortalecimento da cultura indígena e a difusão do conhecimento humano é mandatória.

Assim, hoje, Dia Nacional da Consciência Indígena, é lançado o Observatório de Apoio, Defesa, e Valorização dos Indígenas da Baixada Santista, Vale do Ribeira e Litoral Norte, integrado por indígenas, extensionistas, militantes dos movimentos sociais, pesquisadores e professores das universidades públicas e privadas, indigenistas, juristas, líderes religiosos e todos que apoiam a causa indígena.

Assim, essa rede, em diálogo com representantes das mulheres e homens indígenas, guardiãs e guardiões do conhecimento tradicional herdado dos ancestrais dos povos originários que desde antes da colonização habitam o Litoral Paulista, nos manifestamos conjuntamente em favor dos indígenas.

Entendemos ser fundamental o acompanhamento e apoio às lutas pelo direito ao acesso à terra, à soberania e segurança alimentar, à educação diferenciada, ao turismo comunitário, ao saneamento básico, ao acesso à saúde e, sobretudo, ao direito da manutenção e valorização de suas culturas.

Dessa forma, urge reconhecer o direito dos indígenas à terra que ocupam e que por vocação zelam, sendo cuidadores da flora e fauna, comprometidos com uma ecologia em sentido amplo. Diante disso, cabe ao Observatório, lutar e favorecer ações que protejam a cultura e o modo de vida dos povos indígenas, denunciar todas as formas de violência, principalmente aquelas que incitam a agressão à autonomia e aos seus direitos, caminhar ecumenicamente com as comunidades religiosas e com pessoas de boa vontade, na solidariedade com os povos indígenas e preservação do seu habitat.

As entidades de apoio da sociedade civil, por meio de seus respectivos representantes, e igualmente cidadãos e cidadãs que comungam esses valores, subscrevem o presente Manifesto por ocasião do Lançamento Público do Observatório de Apoio, Defesa, e Valorização dos Indígenas da Baixada Santista, que passa a existir como um espaço permanente e suprapartidário de articulação, integração e intercâmbio, e também como instrumento de apoio, fomento, assessoria técnica e de organização de debates, eventos e atos públicos que possam contribuir com o fortalecimento dos indígenas.

Entidades e aldeias que assinam o manifesto: Associação Indígena Guarani Tekoá Aguapeú; Associação Indígena Tapé Porã; Associação Terra Indígena Piaçaguera; Aldeia Indígena Takuari ; Aldeia Parowati/Bananal; Aldeia Paranapuã; Aldeia Tekoá Kwaray; Aldeia Tekoá-Mirim.

Associação Filhos de Aruanda; Associação Brasileira de Juristas pela Democracia – Núcleo da Baixada Santista; Associação Paulista de Extensão Rural; Centro de Direitos Humanos Irmã Maria Dolores da Baixada Santista; Coletivo Feminista Classista Maria Vai Com as Outras.

Coletivo de Segurança Alimentar e Nutricional da Baixada Santista; Coletivo Verde América; Comitê Popular de Santos por Memória, Verdade e Justiça; Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo; Fórum da Cidadania de Santos; Fórum de Economia Solidária da Baixada Santista.]

Fórum Regional de Economia Solidária ABCDMRR – Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra; Fórum Social da Baixada Santista; Fórum Social de Praia Grande; Frente de Evangélicos Pelo Estado de Direito; Frente Inter-religiosa Dom Paulo Evaristo Arns; Fundação Maurício Grabois – Baixada Santista.

Iniciativa das Religiões Unidas; Incubadora de Empreendimentos Econômicos e Solidários da Universidade Católica de Santos; Instituto Terra Viva Brasil de Agroecologia; Laboratório de Planejamento Ambiental e Gerenciamento Costeiro – UNESP; Livres – Consumidores Conscientes – Baixada Santista. Movimento Contra às Agressões à Natureza; Ouvidoria do Mar; Pastoral Indígena da Diocese de Santos; Programa de Educação Tutorial – Educação Popular – Frente Cultura e Resistência Indígena da Unifesp campus Baixada Santista; Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial na América Latina e Caribe – Unesp; Rede de Judeus Brasileiros Progressistas.