Rogério Baraquet - Divulgação

“Quem toca cover é coveiro!”. A frase postada por um conhecido há alguns meses no Facebook me fez chorar de rir. Eu seria um grande hipócrita se criticasse o cover. Toco cover na noite há mais de trinta anos e atualmente estou com um tributo a David Bowie junto com músicos de altíssimo gabarito da nossa região. Mas uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.

A Baixada Santista parece ser pródiga em renegar seus talentos criativos. No início dos anos 80 pipocaram alguns festivais estudantis e, depois de um show histórico do qual minha banda (Ecossistema) participou no teatro Municipal em 86, a prefeitura de Santos investiu no icônico Circo Marinho que circulou por alguns pontos da cidade, terminando seus dias alguns anos depois na Praia do José Menino. Ao longo da década de 90 algumas casas noturnas abrigaram shows das dezenas (centenas?) de bandas de hardcore que surgiram por aqui.

Todos esses eventos e lugares foram muito significativos para a cena autoral, mas, com algumas raras exceções, nunca despertaram grande interesse do público médio local. Pelo menos, não daquele que lota, até hoje, os barzinhos para ouvir os grandes sucessos de ontem e de hoje. A partir dos anos 2000 veio uma onda de bandas-tributo que acabou de vez com o circuito autoral daqui.

Em 2017, eu e o amigo e produtor Cezar Sanchez fizemos um chamado geral a artistas e bandas autorais da região a fim de nos unirmos e buscarmos formas de divulgar nossos trabalhos. Surgiu assim o Movimento Santo de Casa. Não foi o primeiro nem é o único coletivo de música autoral local, mas, entre os que atuam realmente como coletivo, é o que está indo mais longe, tanto em termos temporais como de conquistas. Já realizamos incontáveis eventos, ganhamos editais e há um projeto da vereadora Telma de Souza tramitando na Câmara de Santos que inclui nossa Mostra no calendário oficial da cidade. Atualmente, contamos com cerca de 80 artistas (entre músicos solo e componentes de bandas) em nosso cast, mas sabemos que a região tem no mínimo cinquenta vezes mais artistas autorais do que isso.

Pois uma região tão rica em termos históricos e culturais, com habitantes tão orgulhosos de nascer, viver e nela morrer (como diz um dos gritos de guerra da torcida do seu principal e consagradíssimo time de futebol ), que gerou talentos como Gilberto Mendes, Luís Américo, Karametade, Bombers, Vulcano, Garage Fuzz, Harry, Grupo Tempero, Zimbra e Charlie Brown Jr., só para citar aqueles que tem ou tiveram projeção nacional ou até internacional, mantém o hábito de dar as costas à música feita pelos seus filhos… exceto quando ela alcança tal projeção. Às vezes, nem assim.

A prova disso são os grandes eventos de música que têm acontecido em Santos, com público comparecendo em massa para assistir artistas locais – e até mesmo de fora – fazendo um repertório basicamente de… covers! Sem querer desmerecer amigos, amigas e colegas que trabalham e trabalharam nesses eventos, mas nesse panorama talvez realmente possamos dizer que quem faz cover é coveiro, já que a música da nossa terra está sendo enterrada pelo apelo fácil do que já é conhecido. Bem sabemos que as pessoas dificilmente saem de casa para ouvir músicas que desconhecem, ainda mais interpretadas por artistas que não são conhecidos/as. Mas será que não seria ao menos um pouco diferente se as pessoas realmente tivessem orgulho das coisas feitas aqui e não aquele orgulho de rede social, de fazer selfie na praia ou na balada em que alguma banda está tocando Highway to Hell do AC/DC?

Reiterando: nada contra tocar cover, eu adoro e é necessário. Mas por que não olhar e, principalmente, valorizar um pouco para o que está em volta e, sim, ter um orgulho genuíno da nossa arte, nossa gente? O Movimento Santo de Casa, assim como outros coletivos, segue na luta.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Folha Santista.