Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Estudo realizado pela Rede de Observatórios da Segurança revela que nas capitais Salvador, Recife e Fortaleza “todas as pessoas mortas pela polícia no último ano são negras”.

A pesquisa fez um levantamento com os estados da Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo.

Todas as localidades estudadas apresentaram forte discrepância racial nas operações policiais. Para os pesquisadores, a pandemia agravou problemas já existentes na sociedade brasileira.

Com o título “Pele Alvo: a cor da violência policial”, o estudo foi realizado a partir de dados obtidos via Lei de Acesso à Informação.

Rio de Janeiro

O levantamento revela que, durante o ano de 2020 o Rio de Janeiro foi o estado que mais produziu mortes em ações policiais com 1.245 óbitos. As pessoas negras representam 86% desse total de mortes.

O número apresentado pela pesquisa choca pelo fato de que a população negra representa 51,7% da população fluminense.

De acordo com o estudo, na capital foram registradas 415 mortes em intervenções policiais e 90% desses mortos eram pessoas negras.

Para os pesquisadores, há “um racismo declarado que se pratica com a anuência de autoridades e a naturalização de boa parte da sociedade”.

“São dados registrados em 2020 e que mostram que mesmo em um contexto de crise sanitária mundial o racismo não dá trégua e, pelo contrário, mata ainda mais, tanto por vírus como por tiro”, critica a pesquisa.

Bahia: Pandemia agravou problemas existentes

A pesquisa destaca a realidade da Bahia, que possui a capital como a cidade mais negra fora do continente africano e apresenta o maior percentual de negros entre os mortos pela polícia.

Segundo o estudo, 98% dos mortos em ações policiais em Salvador são pessoas negras. Em seguida, a cidade Santo Antônio de Jesus é apontada com os piores índices de pessoas negras mortas pelas mãos de policiais.

Ceará: recorte racial evidente

Quando o estudo analisa os dados do estado do Ceará, aponta que o recorte racial fica evidente a partir dos números levantados.

“Quando observamos a cor das vítimas, notamos uma discrepância entre o percentual da população negra na população em geral (62,3%) no Ceará e no percentual de pessoas negras vítimas de agentes estatais (87,2%). O mesmo ocorre no que diz respeito à proporção de brancos na população cearense (31,6%) versus o percentual de brancos mortos por agentes estatais (12,8%). O recorte racial da violência institucional é evidente”, diz a pesquisa.

Um “problema crônico” é apontado pela pesquisa nos registros no Ceará: a subnotificação da cor das vítimas da violência policial.

“Como explicar o registro de apenas uma pessoa preta morta por agentes do Estado no Ceará, em 2020, número cinco vezes menor que o de pessoas brancas mortas? Somente quando as pessoas de cor parda são computadas conjuntamente é que podemos ter uma noção mais precisa de quão seletiva é a letalidade policial no estado. A capital cearense, por sua vez, registrou 57 casos de mortes por intervenção policial no ano passado. Desse total, 14 das vítimas eram pardas e 43 (nos registros) não possuíam cor definida”, questiona o estudo.

Pernambuco

Ao lado da Bahia e do Ceará, o estado de Pernambuco também apresenta um dos piores índices.

Durante 2020, o confronto policial em Pernambuco resultou em 113 vítimas. Desse total, 109 eram pessoas negras, três brancas e um caso não teve a raça registrada.

“Quando se analisa o percentual de pessoas negras mortas pela polícia nas capitais dos estados, Recife mostra que todas as pessoas mortas pela polícia no município são negras. Isso mesmo: o percentual é de 100% das pessoas negras mortas pela polícia em 2020”, revela o estudo.

Piauí: “Um genocídio em curso”

Os pesquisadores chamam a atenção para o estado do Piauí, onde 90,9% das vítimas da violência letal da polícia são negras.

“90,9% das vítimas da violência letal da polícia no estado do Piauí são negras. Nessa mesma direção, a capital Teresina ocupa o terceiro lugar das capitais monitoradas, com 94% de letalidade da população negra por atividade policial. Esse número expressa uma realidade preocupante. Destaca-se ainda que 73,4% da população se declarou negros no Piauí. Tais dados reunidos configuram um genocídio negro em curso”.

São Paulo: pressões não foram suficientes para barrar racismo estrutural

No estado de São Paulo foram 814 mortos pela polícia em 2020, desse total houve registro de raça das vítimas em 770 ocorrências.

“Em 63,5% dos casos, as vítimas eram negras (pretas, 7,8%; e pardas, 55,6%). A proporção de pardos e pretos entre os mortos é quase o dobro do percentual desse mesmo grupo na população paulista (34,8%). A situação se inverte no caso dos brancos, que representam 63,7% da população de São Paulo, enquanto 36,5% entre os mortos pela polícia”.

O estudo pode ser conferido na íntegra aqui.

Marcelo Hailer
Jornalista (USJ), mestre em Comunicação e Semiótica (PUC-SP) e doutor em Ciências Socais (PUC-SP). Professor convidado do Cogeae/PUC e pesquisador do Núcleo Inanna de Pesquisas sobre Sexualidades, Feminismos, Gêneros e Diferenças (NIP-PUC-SP). É autor do livro “A construção da heternormatividade em personagens gays na televenovela” (Novas Edições Acadêmicas) e um dos autores de “O rosa, o azul e as mil cores do arco-íris: Gêneros, corpos e sexualidades na formação docente” (AnnaBlume).