Este ano foi um dos mais incríveis para mim, mas também foi um dos mais difíceis.
Eu aprendi a ceder tudo e a sentir doer, e é uma pena que eu não tenha mais o colo da minha mãe para as dores que não têm jeito e, então, eu sinto muito.
Aprendi, há algum tempo, que tudo vem em pares na vida. Mar e rio. Vida e morte. Eu e você. E aprendi que para sentir a plenitude máxima e mágica daquele instante de felicidade real e puro que acontece vez ou outra, no meio do dia, você precisa se deixar sofrer.
Como eu sou bióloga e ateia, fica difícil para mim assimilar tudo que foi criado pelo homem para estruturar nossa forma de viver. Preferia, às vezes, ser um animal selvagem que vive por instinto, que age e reage de acordo com suas necessidades fisiológicas, mas que respeita uma ordem natural pré-determinada pelas inscrições invisíveis talhadas em cada grão da poeira de estrelas de que somos feitos.
Nós, não. Nós estamos sempre desperdiçando tempo, criando coisas que não precisamos para alimentar uma falsa ideia de especialidade. Pensando, com uma constância assustadora, em formas de parecermos melhores, maiores, superiores.
É, eu sei, que é clichê, mas é verdade que essa ideia, aparentemente inofensiva, mata muitos de nós. Assim como é verdade também que as pessoas que morrem, morrem para que outros vivam segundo seus caprichos infantis e desnecessários; morrem para alimentar a indústria que em nada os beneficia.
Mas eu não quero falar do mundo hoje. Eu quero falar de mim.
– Egocêntrica, egoísta.
Às vezes.
Como você.
Como todos nós.
Sensíveis animaizinhos lidando com emoções absurdas – presentes de uma evolução rápida demais, grande demais – que nos consomem em confusão e descontrole.
Nem todos, nem sempre, mas quase.
Pensei ontem, terça-feira ensolarada, como será que meu filho vai crescer? Como ele vai ser quando adulto, quando precisar lidar com emoções, frustrações?
Melhor que eu, espero.
Melhor que alguém que cresceu sob outras definições de amor, sob outros ideais de felicidade e sucesso. Me desconstruo, também, para proporcionar que novos alicerces sejam erguidos. E como diz Inês Bari: “nada se parece mais com uma casa em ruínas do que uma casa em construção”.
Por isso a bagunça, me desculpe.
E não quero dizer que eu não cometo erros, a maternidade, por exemplo, não é algo espontâneo para mim, demanda esforço, todos os dias, e me vigio constantemente. A cada nova pesquisa, leitura e aprendizado, eu me liberto das minhas próprias limitações, dos modelos que me foram ensinados, do ímpeto de agir como agiam comigo: com pouca paciência, com certa dureza e quase nenhuma empatia.
Cuidar do meu filho de forma diferente é a minha forma de mudar a minha história, de ser livre, de não carregar o peso de fugir do meu instinto selvagem. E não é um fardo também, não me entendam de forma equivocada. Quero dizer que eu estou sempre saindo de dentro de uma casca. Eu amo ser mãe, mas ainda é difícil abrir mão do egoísmo de ser apenas uma mulher, às vezes.
Absolutamente tudo que eu faço é pensado antes sob uma perspectiva de mãe, de proteger a cria, de prover. E então eu vivo, claro, mas sempre pensando no limite que posso chegar e ainda ser mãe, boa mãe, uma mãe que faz o que pode fazer da melhor forma possível.
A maternidade estabeleceu limites mais claros, e isso é bom. Fiquei mais consciente do que vou ou não tolerar. Descobri uma certeza que só a natureza de mulher permite: a certeza da criação, da abundância, da beleza e da continuidade.
Mas sigo sofrendo, dias mais, dias menos, presa dentro de arestas que me fazem questionar tudo em mim: meus propósitos, minhas escolhas, meus instintos. E sigo sofrendo, também, porque estou viva, e viva as arestas me apertam, e viva me indigno diante da injustiça, da indiferença, da hierarquização indevida da nossa sociedade.
E viva posso ser melhor, mais forte, mais humana.
E viva posso olhar, agradecer e não mais aceitar.
E viva posso continuar a lutar.
Por mim, por você, e por todas que vieram antes.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Folha Santista