Kamila Dieli nasceu em Santos e cresceu no Humaitá, bairro da área continental de São Vicente. Iniciou seu contato com os livros aos 10 anos de idade, principalmente, com o objetivo de descobrir outras realidades, fugir um pouco do contexto no qual vivia.
Passou, então, a escrever, inicialmente poesia. Procurava transmitir suas experiências através dos próprios versos. Quando terminou o ensino médio, optou por cursar Biologia, sem, no entanto, abandonar sua grande paixão: a escrita.
Hoje, mãe, escritora, bióloga e feminista, Kamila vai estrear, em breve, como colunista no Folha Santista. “Vou abordar temas particulares, como a maternidade e relacionamentos interpessoais, mas também falar sobre nosso cotidiano social e individual, temáticas que são do universo íntimo, mas que também são políticas, e sempre através da minha ótica de mulher. Acredito que ser voz para outras mulheres”, resume.
Folha Santista: Como foi sua trajetória profissional?
Kamila Drieli: Nasci em Santos, em 1989, e cresci num bairro da área continental de São Vicente chamado Humaitá. Meu contato com os livros começou por volta dos 10 anos de idade. No início era uma forma de descobrir outras realidades, fugir um pouco do contexto que eu vivia. E eu adorava, devorava livro após livro, às vezes relia o mesmo exemplar mais de uma vez, principalmente livros de fantasia. Depois, ainda com a mesma idade, comecei a escrever. E a poesia foi meu primeiro tipo textual, aprendi na escola a estrutura e comecei a escrever meus próprios versos. Quando adolescente eu era a garota procurada pelas meninas da escola para escrever as cartas de amor para seus pretendentes. Ao terminar o ensino médio surgiu a primeira grande dúvida: cursar Letras ou Biologia, também um amor antigo que despertou nas aulas de ciências do ensino fundamental. Pensava que seria bom fazer Letras para adquirir mais conhecimento sobre literatura, nossa língua, outros idiomas. Mas escrever para mim era algo natural, que eu precisava fazer. Já a Biologia era algo que me fascinava, e que eu gostaria muito de estudar. Assim sendo, escolhi a segunda opção. Dividi um apartamento na Conselheiro Nébias com duas amigas durante um período da faculdade e continuei escrevendo. No segundo ano tive meu primeiro texto publicado. Era uma coletânea com crônicas de novos escritores de uma editora carioca. Meu texto abria o primeiro volume. Após quatro anos de faculdade, me formei bióloga marinha na Universidade Santa Cecília em 2015, mesmo ano que decidi morar em Bonito, no Mato Grosso do Sul. Agora, em 2020, estou novamente na Baixada Santista. Escrever sempre foi a minha expressão, e embora eu goste de falar, prefiro escrever, e como sempre digo, não se faz mais ouvidos como olhos.
Folha Santista: Você tem um canal de poesia no Instagram que chegou a registrar mais de cinco mil seguidores. Um canal de poesia no Brasil, com essa quantidade de acessos, é uma proeza. A que você credita esse sucesso em um país que pouco lê, ainda mais poesia?
Kamila: A minha página @parafraseandoaalma começou por causa de um insistente incentivo de pessoas próximas. E embora eu cultivasse um certo receio de mostrar o que escrevia, comecei a olhar como uma forma nova de guardar tudo, e de experimentar novos formatos para as minhas palavras. Quando comecei a perceber que muitas pessoas, principalmente mulheres, se identificavam e me respondiam, enviavam suas histórias, dimensionei melhor que todos partilhamos sentimentos muito comuns. Eu sempre gostei de ler, porque às vezes lia exatamente o que eu sentia num determinado momento e não conseguia expressar. Visualizar que eu estava legendando as sensações de outras pessoas foi incrível para mim, me impulsionou a continuar escrevendo e ampliou o significado disso. Quando engravidei em 2017, acabei diminuindo a minha presença na página e nas redes sociais de forma geral, e perdi muitos seguidores, mais de 3 mil. A internet é assim, ao mesmo tempo em que abre portas e conecta você a milhões de pessoas e possibilidades, você precisa estar sempre lá, sempre presente, ou acabará esquecida e suprimida pela quantidade de novas informações que surgem diariamente. Há alguns meses retomei o trabalho, voltando gradualmente a postar e interagir com os seguidores, até mesmo para aprender a conciliar o trabalho e a maternidade, e a cada dia mais pessoas têm chegado e lido o que escrevo. A poesia não é mesmo um dos gêneros mais populares, mas hoje, com o surgimento e a explosão de poetas como a indiana Rupi Kaur e a americana Amanda Lovelace, que trazem em suas poesias relatos de experiências comuns a todas as mulheres, em linguagem direta e menos abstrata, o espaço tem se expandido e mais pessoas têm se identificado com o gênero.
Folha Santista: Quais os temas principais que você dedica sua literatura?
Kamila: Sou mulher e mãe, bióloga e feminista, mas nem sempre fui. Algumas pessoas podem ler isso e pensar: ‘Mulher, você sempre foi!’. Mas, parafraseando Simone de Beauvoir, não se nasce mulher, torna-se. Isso traduz que como mulher, e como indivíduo social, vivo diariamente mudanças internas e externas que se relacionam com as mudanças do mundo. Assim sendo, vou abordar nos artigos do Folha temas particulares, como a maternidade e relacionamentos interpessoais, mas também falar sobre nosso cotidiano social e individual, temáticas que são do universo íntimo, mas que também são políticas, e sempre através da minha ótica de mulher. Acredito que como mulher posso ser voz para outras mulheres. Principalmente por compartilharmos tantas experiências semelhantes, por estarmos todas em busca de direitos e liberdade. Quero que a coluna traga exatamente isso: uma nova compreensão, uma visão poética e visceral, de que precisamos continuar existindo e resistindo. Um jornal que abre espaço para mais uma mulher entre suas colunistas demonstra exatamente onde queremos chegar: num convívio mais diverso, ocupando espaços e usando nossa própria voz para falar sobre questões que permeiam nossa vida.
Folha Santista: Você escreve para um público específico, ou seja o feminino, ou não tem essa preocupação?
Kamila: Eu não me considero alguém que escreve para um público específico. Eu escrevo sobre o que sinto, o que vejo, o que vivo. E no meio do caminho, entre externar minhas emoções e produzir textos, encontrei pessoas que sentem exatamente como eu. Claro que rola uma maior identificação por mulheres, mas tenho muitos leitores homens também, e de gêneros diversos. Agora como mãe, aprendendo e escrevendo sobre o dia a dia, ampliei ainda mais minha identificação e empatia com as mulheres. Durante uma fase da minha vida, sempre que eu me via diante de algum impasse sentimental, principalmente, lia diversos textos e poesias escritos por homens, que falavam como se estivessem no mesmo lugar que eu me encontrava naquele momento, como se soubessem exatamente o que eu estava sentindo. Depois de algum tempo, comecei a pensar no motivo de fazerem isso. E como eu, mulher e escritora, lia textos de homens para tentar encontrar uma saída para meus sentimentos? Não que homens não possam escrever, eles podem, mas o incômodo se dava por ler homens dizendo “Você é incrível, precisa seguir em frente e perceber que merece mais”, ao invés de dizer para outros homens “Ela é incrível e mesmo que não a ame, seja honesto e a trate com respeito”. Isso me fez perceber que consumimos livros, músicas, filmes, em sua esmagadora maioria, feitos por homens. Logo, através do ponto de vista deles. Claro que um homem pode saber, por exemplo, que a maternidade é um momento superdifícil, que as mudanças são severas, que ficamos totalmente frágeis. Pode saber e pode apoiar, mas este mesmo homem nunca poderá me dizer como eu me sinto e nem dimensionar, de forma prática, tamanha transformação. De repente, então, isso tudo quer dizer que eu escrevo para mulheres.
Folha Santista: Você acabou de lançar um livro em formato e-book para a Amazon. Do que trata a obra?
Kamila: Sim, meu primeiro livro, em formato e-book, “A Portadora da Luz: A estrada entre dar à luz e nascer”, está disponível na Amazon. O lançamento ocorreu no dia 12 de junho. É um livro que fala através de prosa e poesia sobre a jornada entre a descoberta da gravidez e o nascimento de um filho, e de uma mãe. Comecei a escrevê-lo quando percebi que poucas vezes li algo que falasse sobre este processo. Poucas coisas, além de textos científicos e orientações de especialistas, que eu leio bastante, por sinal. Mas e os sentimentos, os medos, as inseguranças? Onde estão escritos os versos que falam sobre todas as mudanças e oscilações deste período? Não achei! Então, escrevi o que eu mesma sentia e ainda sinto. O livro se divide em cinco partes e todas as respostas que tenho recebido, tanto de mulheres que são mães, quanto de outras que não são, e até mesmo de homens, têm sido extremamente positivas, têm me mostrado que os meus sentimentos, que tudo que eu vivi neste processo, é vivido também por tantas outras pessoas, que nem sempre sabem dizer, não da mesma forma, nem ao mesmo tempo. Mas nossas emoções se encontram em algum ponto. Meu livro nasce como nasce um filho. Meu primeiro filho escrito.