Por Revista Fórum
Diante das dificuldades impostas pelo governo para estudos científicos dos efeitos da cannabis, pesquisadores de diferentes áreas se reuniram e fundaram a Canapse (sigla para Canabiologia, Pesquisa, Serviços e Ensino), uma associação que visa a produção para uso em pesquisas acadêmicas.
A Canapse reúne neurocientistas, engenheiros agrônomos e advogados. Fundada em abril de 2019, a entidade começou a sair do papel durante a pandemia de Covid-19, quando estabeleceu a sede em Maricá (RJ). O primeiro cultivo aguarda a colheita e a Canapse celebrou um convênio inédito com a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
De acordo com reportagem da agência Pública, muitos cientistas que tentam realizar estudos com substâncias combatidas pela guerra às drogas no Brasil esbarram em burocracias e todo o tipo de dificuldade para desestimular o trabalho na área, o que motivou a criação da Canapse.
É o caso do biomédico Renato Filev, um dos fundadores da associação. Ele pesquisa desde a graduação os efeitos da cannabis nas alterações cerebrais ligados à memória, tomada de decisões, emoções, motivações e dependência. Em 2015, Filev foi um dos selecionados em edital promovido pela Secretaria Nacional de Álcool e Drogas (Senad), do Ministério da Justiça, para financiar estudos sobre novas formas de combater a dependência química, no valor de R$ 700 mil.
No experimento, integrado no Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), um grupo de usuários de crack seria submetido à vaporização de cannabis como terapia auxiliar para abandonar o uso abusivo. O estudo, no entanto, nunca foi feito.
A burocracia impediu a importação de uma doação de dez quilos de flores da cannabis da empresa canadense-holandesa Bedrocan. Em 2019, já no governo Jair Bolsonaro, ele tentou a prorrogação do financiamento da pesquisa, mas o pedido foi negado pela Senad.
Habeas corpus
Para o cultivo legal de cannabis, a Canapse utiliza um habeas corpus concedido em 2018 ao advogado e ativista antiproibicionista Ricardo Nemer.
Em 2015, uma operação da Polícia Civil apreendeu 30 pés de maconha que ele mantinha em casa para uso pessoal e terapêutico. O inquérito policial contra Nemer deu origem a uma ação criminal, aberta pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, por tráfico de drogas.
Os tratados internacionais que controlam substâncias psicotrópicas e entorpecentes, dos quais o Brasil faz parte, não impedem o uso em trabalhos acadêmicos. A regulamentação fica a cargo de cada país.
No Brasil, os pesquisadores precisam importar substâncias como cocaína, psilocibina, ecstasy. Mesmo para uso científico, produção, fabricação, importação, exportação, comércio e uso são proibidos no país, a não ser com autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).