Por Tulio Gonzaga
O Papa Francisco publicou uma carta diante da emergência da crise climática, na última quarta-feira (4). Com a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-28) em mira, o pontífice escreveu uma carta em que aponta a redução das desigualdades para reverter os efeitos sobre as pessoas mais vulneráveis.
Nos seis capítulos e 73 parágrafos, Francisco faz um apelo às responsabilidades diante de um antropoceno marcado pela ebulição global. “Este mundo que nos acolhe, está desmoronando e talvez se aproximando de um ponto de ruptura”, afirma ele no preâmbulo da carta.
Uma continuidade do raciocínio
Esta carta é uma continuidade à encíclica de 2015, intitulada “Laudato si” (Louvado sejas, em tradução livre), de cunho ambiental que aponta a correlação entre humanidade e natureza – a crise climática seria um reflexo da crise ética das pessoas. Na época, ele já criticava a incapacidade das conferências internacionais de responder às mudanças climáticas.
“A humanidade é chamada a tomar consciência da necessidade de mudanças de estilos de vida, de produção e de consumo, para combater este aquecimento ou, pelo menos, as causas humanas que o produzem ou acentuam”, escreveu Francisco na carta de 2015.
Desde 2015, o pontífice destacava os estudos científicos como referências e provas de um preocupante aquecimento do sistema climático: “É verdade que há outros fatores, mas numerosos estudos científicos indicam que a maior parte do aquecimento global das últimas décadas é devida à alta concentração de gases com efeito de estufa (anidrido carbónico, metano, óxido de azoto, e outros) emitidos sobretudo por causa da atividade humana”.
O Papa estabeleceu vínculos entre a crise ambiental e a crise humanitária, que gerava excluídos dos centros de poder e das vistas dos profissionais liberais e dos meios de comunicação: “Uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres”.
Ele também critica a submissão das cúpulas ambientais à uma política tecnocrata de países responsáveis pela degradação ambiental pela continuidade do consumo insustentável: “Pode-se esperar apenas algumas proclamações superficiais, ações filantrópicas isoladas e ainda esforços por mostrar sensibilidade para com o meio ambiente, enquanto, na realidade, qualquer tentativa das organizações sociais para alterar as coisas será vista como um distúrbio provocado por sonhadores românticos ou como um obstáculo a superar”.
A humanidade tem sido a culpada
Na carta recém-publicada, nomeada “Laudate Deum” (Louve a Deus, em tradução livre), o Papa Francisco reforça a necessidade de reconhecer os efeitos do colapso ambiental, sem negá-los, escondê-los ou relativizá-los. “Os sinais da mudança climática impõem-se-nos de forma cada vez mais evidente”, declara.
“Ninguém pode ignorar que, nos últimos anos, temos assistido a fenómenos extremos, a períodos frequentes de calor anormal, seca e outros gemidos da terra que são apenas algumas expressões palpáveis duma doença silenciosa que nos afeta a todos”, afirma.
Francisco critica a elite financeira por responsabilizar a população mais pobre, e os países menos desenvolvidos, pelo aquecimento global: “A realidade é que uma reduzida percentagem mais rica do planeta polui mais do que o 50% mais pobre de toda a população mundial e que a emissão pro capite dos países mais ricos é muitas vezes superior à dos mais pobres”.
Em menção à transição energética, a carta diz que “quando bem gerida, assim como os esforços para se adaptar aos danos das alterações climáticas, são capazes de gerar inúmeros postos de trabalho em diferentes setores”. O pontífice cobra uma atuação imediata dos políticos e os empresários.
Mais uma vez, ele retoma a ideia de associação entre a ação antrópica e as mudanças climáticas ao assinalar a coincidência dos fenômenos climáticos globais com o crescimento acelerado das emissões de gases com efeito estufa a partir do século 20.
Os danos são irreversíveis?
De acordo com o Papa, os danos e riscos “já são irreversíveis”. Ele escreve que “pelo menos durante centenas de anos, algumas manifestações desta crise climática, como o aumento da temperatura global dos oceanos, a acidificação e a redução do oxigênio”.
Por isso, o católico pede aos fiéis por uma visão de responsabilidade pela herança a ser deixada às próximas gerações no planeta. “A pandemia do Covid-19 veio confirmar a estreita relação da vida humana com a dos outros seres vivos e com o ambiente, mostrando de modo particular que aquilo que acontece em qualquer parte do mundo tem repercussões sobre todo o planeta”, argumenta.
O poder global e o meio ambiente
Na seção “A fragilidade da política internacional”, o Papa declara: “Para se obter um progresso sólido e duradouro, quero insistir que há que favorecer os acordos multilaterais entre os Estados”. Ele esclarece que se refere à organizações mundiais mais eficazes, dotadas de autoridade para assegurar o bem comum mundial, a erradicação da fome e da miséria e a justa defesa dos direitos humanos fundamentais.
Francisco ainda considera “lamentável” que crises globais – como a crise financeira de 2008 e a crise da pandemia da Covid-19 – não resultaram em mudanças estruturais. “As potências emergentes estão a tornar-se cada vez mais relevantes e são realmente capazes de obter resultados significativos na resolução de problemas concretos, como algumas delas demonstraram na pandemia”.
Segundo o Papa, a falência dessas conferências climáticas o baixo nível de implementação de medidas se deu porque “não se estabeleceram adequados mecanismos de controle, revisão periódica e sanção das violações”.
“As negociações internacionais não podem avançar significativamente por causa das posições dos países que privilegiam os seus interesses nacionais sobre o bem comum global. Aqueles que hão de sofrer as consequências que tentamos dissimular, recordarão esta falta de consciência e de responsabilidade”, sinaliza.