Início Notícias Meio Ambiente

Desigualdade de Carbono: Quem deve pagar a fatura da crise climática? – Por Danilo Tavares

Impostos sobre emissões: uma solução justa para enfrentar a crise climática e a pobreza

Neymar desembarca de seu jato particular - Foto: Reprodução/Facebook PSG

Por Danilo Tavares*

Você já parou para pensar que os hábitos de consumo dos mais ricos podem estar destruindo o planeta? O estudo “Dissecando os Impactos Climáticos da Desigualdade de Alta Emissão de Carbono”, publicado em março deste ano na IOP Science, revela que os mais ricos têm um impacto desproporcionalmente alto nas mudanças climáticas. Este estudo nos ajuda a entender melhor como essas desigualdades afetam o clima global e o que podemos fazer para mudar a situação.

A ideia de “desigualdade de alta emissão de carbono” se refere ao fato de que os ricos emitem muito mais carbono do que os pobres. Isso acontece porque seus estilos de vida e padrões de consumo exigem muito mais recursos. Por exemplo, o 1% mais rico da população mundial é responsável por mais do que o dobro das emissões dos 50% mais pobres. É uma disparidade gritante que destaca como o consumo excessivo de poucos pode afetar a vida de muitos.

Os dados mostram que os 10% mais ricos são responsáveis por cerca de 50% das emissões globais de carbono, enquanto os 50% mais pobres contribuem com apenas 10%. Além disso, uma pessoa entre 1% dos mais ricos pode emitir até 175 vezes mais carbono do que alguém nos 10% mais pobres. Isso acontece porque os ricos têm estilos de vida luxuosos que incluem várias propriedades, carros de luxo, viagens frequentes de avião e até jatos particulares e iates. Esses padrões de consumo exagerados geram uma pegada de carbono gigantesca.

No Brasil, podemos ver exemplos claros dessa desigualdade. Enquanto a elite brasileira frequenta casas de veraneio em locais como Angra dos Reis e Trancoso, utilizando helicópteros e jatos particulares, a maioria da população enfrenta dificuldades diárias com transporte público ineficiente e habitações precárias.

Durante a temporada de verão em todo litoral de São Paulo vimos um aumento nas emissões devido ao turismo de luxo e ao consumo excessivo, contrastando com a realidade de muitas cidades e comunidades, que vivem em condições de pobreza e vulnerabilidade ambiental.

Os impactos das mudanças climáticas também são profundamente desiguais, dependendo de fatores como classe, raça e gênero. Um exemplo atual é a recente catástrofe no Rio Grande do Sul, onde enchentes devastaram comunidades inteiras, que impactou 2,3 milhões de pessoas em todo estado, deixando 157 mortos e quase 658 mil pessoas fora de casa. As enchentes afetam desproporcionalmente a população pobre e negra, que geralmente vive em áreas mais vulneráveis e com menor infraestrutura, como destacado pelo Observatório das Metrópoles. As mulheres, particularmente, enfrentam maiores desafios durante e após desastres naturais, devido a responsabilidades adicionais como cuidado dos filhos e idosos, além de menor acesso a recursos financeiros e redes de apoio.

Enquanto os mais ricos emitem muito, os mais pobres são os que mais sofrem com os impactos das mudanças climáticas. Eles são mais vulneráveis a desastres naturais como enchentes, secas e ondas de calor, que estão se tornando cada vez mais frequentes e severos.

No Brasil, a catástrofe no Rio Grande do Sul, onde enchentes devastaram comunidades inteiras, é um exemplo de como os mais pobres sofrem com a falta de infraestrutura adequada e recursos financeiros limitados para se recuperarem após desastres.

Além disso, o Estado brasileiro acaba arcando com a maior parte dos custos desses desastres. Segundo o ClimaInfo, os gastos do governo federal com a tragédia climática no Rio Grande do Sul podem chegar a R$ 120 bilhões só neste ano.

A insegurança alimentar é outra consequência grave. As mudanças climáticas afetam a produção agrícola, elevando os preços dos alimentos e tornando-os inacessíveis para os mais pobres. No semiárido nordestino, as secas prolongadas causadas pelas mudanças climáticas têm devastado colheitas, afetando a subsistência de milhões de agricultores familiares.

Além disso, a escassez de água e a contaminação de fontes potáveis aumentam os riscos para a saúde pública, com um aumento da incidência de doenças relacionadas ao clima. E como se não bastasse, muitos são forçados a deixar suas casas devido a desastres naturais, intensificando a crise habitacional.

As mudanças climáticas têm também um impacto significativo na saúde pública, potencializando doenças existentes e introduzindo novas ameaças.

No Brasil, estamos vendo os efeitos diretos dessa realidade. Por exemplo, as temperaturas mais altas e a mudança nos padrões de precipitação têm aumentado a incidência de doenças transmitidas por vetores, como dengue, zika e chikungunya.

De acordo com dados recentes do Ministério da Saúde, houve aumento significativo nos casos de dengue em várias regiões do Brasil, especialmente no Sudeste e Nordeste, onde as condições climáticas se tornaram mais favoráveis à proliferação do mosquito Aedes aegypti.

Para enfrentar essas desigualdades, uma solução viável seria implementar um imposto progressivo sobre as emissões de carbono, direcionado especialmente aos maiores emissores. Essa é a proposta apresentada no estudo citado no início deste artigo.

Esse imposto não só ajudaria a reduzir as emissões, mas também poderia financiar ações de mitigação e adaptação climática, proteção e regeneração ecológica e combate à miséria e pobreza. É essencial que quem emite mais carbono, como as indústrias de alto carbono, pague mais impostos. Isso também deve incluir produtos importados; não é justo que uma indústria no Brasil tenha custos mais altos para produzir com menos emissões de carbono enquanto importamos produtos similares sem essa preocupação.

O imposto funcionaria de forma progressiva: quanto mais você emite, mais você paga. Isso incluiria impostos mais altos sobre atividades de luxo que contribuem significativamente para as emissões, como o uso de jatos particulares e iates. Os recursos arrecadados poderiam ser usados para financiar projetos de energia renovável, melhorar a infraestrutura verde e apoiar programas sociais que ajudam as comunidades mais vulneráveis a se adaptarem às mudanças climáticas.

Para medir os níveis de emissão de cada família e empresa em uma cidade, o estudo sugere o uso de sistemas de monitoramento de consumo de energia e combustíveis, registros de propriedade e veículos, além de dados de consumo de bens e serviços. Isso permitiria uma análise precisa das pegadas de carbono, ajudando a identificar os maiores emissores e a implementar o imposto de maneira justa. E a cobrança deve ser apenas aos 30% mais ricos, às grandes indústrias, big techs e aos comércios de luxo.

Implementar esse imposto não só ajudaria a reduzir as emissões de carbono, mas também promoveria justiça climática ao responsabilizar os maiores emissores e usar os recursos para apoiar os mais afetados pelas mudanças climáticas. Além disso, financiaria projetos de energia renovável e iniciativas ecológicas que ajudassem a proteger e regenerar o meio ambiente, e programas de redução da pobreza, proporcionando assistência financeira, educação e treinamento para comunidades vulneráveis.

A desigualdade de alta emissão de carbono é uma questão crítica que exacerba as desigualdades econômicas, sociais e climáticas. Implementar um imposto progressivo sobre as emissões de carbono é uma solução viável e necessária para enfrentar esse desafio. Ao responsabilizar os maiores emissores e usar os recursos arrecadados para apoiar ações de mitigação e adaptação climática, proteção ecológica e combate à pobreza, podemos promover um futuro mais justo, sustentável e resiliente para todos.

Referências:

Long, Yin & Huang, Liqiao & Li, Yuan & Wen, Quan & Yoshida, Yoshikuni. (2024). Enlarged carbon footprint inequality considering household time use pattern. Environmental Research Letters. 19. 10.1088/1748-9326/ad2d85. Link.

Gastos do governo federal com tragédia climática no RS podem chegar a R$ 120 bilhões só neste ano – ClimaInfo, 28/052024. Link.

Observatório das Metrópoles – Artigo: Núcleo Porto Alegre analisa os impactos das enchentes na população pobre e negra do Rio Grande do Sul – 23/05/2024. Link.

Ministério da Saúde, Centro de Operação de Emergências (COE) – INFORME – Edição Nº 07 | SE 01 a 12/2024 – Atualizado em: 27/03/2024. Link.

Ministério da Saúde atualiza cenário epidemiológico sobre a dengue no Brasil – 03/03/2024. Link.

*Danilo Tavares é produtor cultural, documentarista, coordenou diversas oficinas de cinema digital, é gestor e desenvolve propostas de projetos para editais culturais e sociais. Atualmente é proprietário da Zopp Criativa Produções, empresa com selo Estratégias ODS, diretor de projetos do Clube do Choro de Santos, membro do Fórum de Economia Solidária da Baixada Santista e diretor da Casa Crescer e Brilhar (São Vicente). E-mail: danilo.cultural@gmail.com.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Folha Santista.

Sair da versão mobile