O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), proferiu uma decisão, nesta segunda-feira (14), no sentido de obrigar o governo Bolsonaro a destacar a importância da vacinação e o proibir de encampar narrativas anticientíficas com relação à imunização contra a Covid-19.
O magistrado atendeu a uma ação protocolada pela Rede Sustentabilidade, na última semana, e mandou os ministros Marcelo Queiroga (Saúde) e Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) a editarem duas notas técnicas emitidas por suas pastas que serviam de base para movimentos antivacina.
A nota da Saúde expunha argumentos para sustentar que a vacinação de crianças não é obrigatória e que cabe aos governos estaduais atuar “na medida de suas competências”. Já a nota do ministério de Damares falava em “violações aos direitos humanos” na adoção do passaporte da vacina e disponibilizava um disque-denúncia para que aquele antivacina que se sentir discriminado notifique o Estado.
“Cabe ao Governo Federal, além de disponibilizar os imunizantes e incentivar a vacinação em massa, evitar a adoção de atos, sem embasamento técnico-científico ou destoantes do ordenamento jurídico nacional, que tenham o condão de desestimular a vacinação de adultos e crianças contra a Covid-19“, diz Lewandowski em um trecho de seu despacho.
“As referidas notas técnicas, ao disseminarem informações matizadas pela dubiedade e ambivalência, no concernente à compulsoriedade da imunização, prestam um desserviço ao esforço de imunização emprenndido pela autoridades sanitárias dos distintos níveis político-administrativos da Federação, contribuindo para a manutenção do ainda baixo índice de comparecimento de crianças e adolescentes aos locais de vacinação, cujo reflexo é o incremento do número de internações de menores em unidades de terapia intensiva”, prossegue.
O ministro ainda proibiu o governo de utilizar o disque-denúncia com o intuito de receber reclamações de pessoas que se sentiram descriminadas por não terem tomado vacina.
Vacina é obrigatória
Em sua decisão, Lewandowski aproveitou para reforçar que a vacinação, diferente do que diz o governo Bolsonaro, é, sim obrigatória, e que aquele que não quiser se imunizar estará sujeito a sanções, como restrição de acesso e mobilidade. O ministro determinou, inclusive, que essa informação conste nas notas dos ministérios que ele mandou alterar.
“A vacinação compulsória não significa vacinação forçada, por exigir sempre o consentimento do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes. Tais medidas, com as limitações expostas, podem ser implementadas tanto pela União como pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, respeitadas as respectivas esferas de competência”, escreveu.
O ministro também determinou que o governo Bolsonaro adote campanha de incentivo à vacinação de crianças contra a Covid-19.
Deixar de vacinar os filhos pode configurar crime e levar à prisão, diz advogado
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê, em seu artigo 14, que “é obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”. Este é o caso das vacinas infantis contra a Covid-19 fabricadas pela Pfizer (de 5 a 11 anos) e Coronavac (de 6 a 17 anos).
Ambas foram aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e são recomendadas pelo órgão, que é a autoridade sanitária máxima do país. Ou seja, essa recomendação valida o artigo do ECA que prevê a obrigatoriedade da imunização.
“De maneira acertada, o Estatuto é abundante em mecanismos de prevenção à ameaça de lesão a direitos da criança. Da inteligência do próprio dispositivo, não há o que se falar quanto à obrigatoriedade de vacinas que sejam obrigatórias. A mera recomendação de vacinação pela autoridade sanitária, o que já houve em relação à vacina contra Covid, faz-se obrigatória para as crianças por força normativa do ECA”, afirma, em declaração enviada à Fórum, o advogado Antonio Carlos de Freitas Júnior, professor de Direito Constitucional na Universidade de São Paulo (USP).
Além do artigo 14, o ECA expressa, em seu artigo, 249 que a falta de vacinação obrigatória significa violação dos deveres pelos pais.
Entre as sanções previstas, segundo Freitas Júnior, estão o encaminhamento a serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e promoção da família; encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico; encaminhamento a cursos ou programas de orientação; perda da guarda e suspensão ou destituição do poder familiar.
“Ao tratarmos da obrigatoriedade da vacinação infantil, dois pilares devem ser ressaltados: a saúde pública e a liberdade de escolha dos pais — e, quando ponderados estes bens jurídicos, especialmente durante a crise sanitária atual, é natural pensarmos que a saúde pública, que é inerente a toda a sociedade e à manutenção de seus pilares, deve prevalecer em detrimento aos interesses individuais”, complementa o advogado Acacio Miranda da Silva Filho, mestre em Direito Penal e doutorando em Direito Constitucional pelo Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa do Distrito Federal (IDP/DF).
Pode dar prisão
O advogado Antonio Carlos de Freitas Júnior chama atenção para o fato de que, além das sanções previstas pelo ECA, a não vacinação de crianças pode ser enquadrada no âmbito criminal através do Código Penal e, entre as penalidades, está, inclusive, a prisão.
“Criminalmente, os pais poderão ser responsabilizados nos termos do artigo 132 do Código Penal – ‘expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente’ – e serem punidos com detenção de três meses a um ano”, explica.
Há, ainda, a possibilidade de pais e responsáveis responderem por homicídio culposo no caso da criança morrer de Covid-19 por não ter tomado a vacina. “Em caso de morte ou de lesão corporal os pais podem, sim, ter de responder pela modalidade culposa de tais crimes”. O advogado pondera, contudo, que “por serem pais, possivelmente haja ao fim do processo um perdão judicial – com não imposição de pena -, pois a perda de um filho por si só é um castigo e, nos casos de verificação do sofrimento à família, tal instituto é aplicado”.
Para Matheus Falivene, advogado criminalista da Universidade de São Paulo (USP), “deixar de vacinar pode ser crime de abandono de incapaz, previsto no artigo 133 do Código Penal”.
“A vacinação é obrigatória; os pais não têm o direito de não vacinar os seus filhos – não só por uma questão de risco à criança, mas também por risco à sociedade”, pontua.