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A pedido da esposa, GCM ofendido por desembargador pensa em deixar as ruas

“Eu prometi que ia voltar para a rua, em um primeiro momento, mas que iria pensar com carinho nessa possibilidade”, revela Cícero Hilário Roza Neto

Hilário e Guilhermino - Foto: Reprodução/Facebook

O caso do desembargador Eduardo Siqueira, que destratou dois integrantes da Guarda Civil Municipal (GCM) de Santos, após levar uma multa por não usar a máscara de proteção contra o coronavírus, continua reverberando na mente de Cícero Hilário Roza Neto e Roberto Guilhermino da Silva.

Entrevistados pelo Folha Santista, ambos dizem que não esperavam tamanha repercussão nacional em relação ao fato e que sonham em ver a corporação tenha o reconhecimento da população e que as pessoas tenham respeito pelas outras.

Hilário, de 36 anos e há nove na instituição, é quem mais sente as consequências da humilhação e das ofensas as quais foi vítima por parte do desembargador, talvez porque foi ele quem conversou diretamente com Siqueira, enquanto Guilhermino filmava a ocorrência.

Ele diz que não descarta a possibilidade de solicitar transferência de setor na GCM. “Foi um pedido da minha esposa. Ela ficou preocupada com o que pode acontecer e me pediu para ficar no trabalho interno. Tem alguns setores aqui que a gente continua na escala, mas fica em posto ou em alguma base de sentinela”, revela Hilário.

“Eu prometi que ia voltar para a rua, em um primeiro momento, mas que iria pensar com carinho nessa possibilidade. Quero ver como vou reagir estando na rua, mas não descarto essa possibilidade de ficar um tempo interno. Não foi um pedido de nenhum superior meu. Quando eu conversei com meu superior, ele me disse que eu decidiria isso. Até agora, não tomei uma decisão sobre o que fazer”, destaca.

Questionado se a corporação oferece algum tipo de auxílio psicológico, caso necessite de ajuda nesse sentido, Hilário responde que sim. “A gente tem acompanhamento psicológico pela prefeitura, caso necessite. Nosso plano de saúde também oferece essa alternativa. Eu, particularmente, pretendo daqui a um tempo, quando passar essa turbulência, passar para fazer uma avaliação e ver o que a profissional acha sobre como estou me sentindo nesse momento”.

Hilário ressalta que ainda sente dificuldades em dormir e que só pega no sono à base de medicamento contra insônia. “No sábado (18), não consegui dormir. Fui até a academia do condomínio onde moro. Fui treinar para ver se dava uma cansada no corpo, mas não consegui dormir. Tive que me automedicar para poder dormir”, conta.

“De lá para cá, eu só tenho dormido por meio de medicação. É uma situação nova, passa muita coisa na cabeça do que ocorreu, do que pode acontecer. É um momento muito delicado, a gente não para de pensar. Tenho três filhos e esposa e ela fica preocupada. Eu já sofro de ansiedade e a gente não consegue ter aquele controle na mente”, acrescenta.

Guilhermino e Hilário – Foto: Divulgação/PMS

Episódio triste

Hilário e Guilhermino relembram como tudo aconteceu. Foi um episódio triste. A gente não espera um tratamento desse de uma pessoa com a formação que ele tem. Eu não o conhecia, não sabia o cargo que ele possui. Eu fui orientá-lo como qualquer outro cidadão. Por outro lado, existe o reconhecimento do nosso trabalho. Serve para que as pessoas, os santistas e o Brasil vejam que as Guardas Civis Municipais estão à frente dessa questão da pandemia, fazendo valer os decretos municipais, e enfrentamos esse tipo e dificuldade diariamente”, avalia Hilário.

“É uma situação que a gente não quer passar, por causa das palavras e das ofensas que foram proferidas pelo cidadão. Eu, particularmente, agiria da mesma forma como reagimos na ocasião, da melhor forma possível, com a melhor conduta possível, mantendo a calma e a tranquilidade, a educação, não desrespeitando, em momento algum, a parte abordada, mesmo diante do que apareceu nas imagens. Eu penso que isso serve de lição, de aprendizado, para que a gente continue a fazer nosso trabalho”, afirma Guilhermino, 41 anos, com 18 de corporação.

Ele diz que não sente que foi humilhado. “Eu sei da minha qualificação, da qualificação do meu parceiro. Mas sei, também, que o intuito dele foi nos humilhar, em relação ao que ele falou, ao que ele perguntou, se o meu parceiro sabia ler, e também com a questão da intimidação, falando se meu parceiro sabia com que estava se metendo. Essa é aparte que mais mexe. A gente não espera isso de uma pessoa tão letrada”.

Guilhermino explica que outro ponto que acaba mexendo com ele é porque, além de o desembargador não estar preocupado com a própria saúde, ao não usa a máscara de proteção, ele coloca em risco muitas outras pessoas. “Ele não demonstrou nenhum pouco de amor ao próximo”, resume.

Repercussão

Em relação à repercussão nacional que o caso teve, ambos se surpreenderam. “Eu não tinha ideia da proporção. Só quando cheguei em casa é que mexeu um pouco comigo, pois minha esposa e minha filha tinham visto o vídeo. Minha filha perguntou o que eu tinha feito para aquele cidadão e eu não sabia o que responder. Respondi que apenas estava fazendo meu trabalho. Foi um momento em que eu foquei chateado”, afirma Hilário.

“Fui para meu quarto, descansei e depois fui para meu outro serviço. Só no outro dia, quando eu cheguei desse outro serviço, tive a ideia da proporção que o caso tinha tomado”, relembra.

Guilhermino também se surpreendeu. “Normalmente, a gente imagina que vai ficar no nosso conhecimento, como arquivo pessoal nosso, para que a gente pudesse estar respaldado de alguma forma, se algo viesse a acontecer. Muitas vezes, a pessoa abordada quer justificar que tratou a guarnição de forma hostil e agressiva, porque primeiro foi abordada de forma truculenta e desrespeitosa. Então, eu imaginei que isso ficaria para nós, caso fosse necessário provar que a gente não cometeu nenhum ato ilegal”.

Futuro

Em relação ao futuro, os dois GCMs dizem que nada mudou. “A única coisa que mudou é que agora as pessoas vão olhar a Guarda Municipal, os agentes de segurança e até os policiais militares de uma forma diferente. É o que eu espero”, projeta Hilário, para em seguida completar: “Meu maior sonho como guarda é ver minha instituição crescer e o reconhecimento da população”.

Guilhermino pensa de forma semelhante. “Pretendo me aprimorar cada vez mais para que não só eu, mas a Guarda Civil Municipal, façam o melhor trabalho possível para a população santista, para enaltecer, cada vez mais, nossa corporação”.

Indagado se, após o fato, pensou em deixar a GCM, ele afirma: “De forma alguma. Eu percebi, realmente, que estou na profissão certa, no caminho certo, que todo meu trabalho e minha experiência de 18 anos de corporação são importante para que eu continue exercendo essa função”.

Guilhermino também revela seu sonho: “É que as pessoas tenham respeito pelas outras e sempre se coloquem no lugar da outra. Independentemente do seu cargo, da sua função, da sua qualificação, da sua classe social, da sua raça, todos devem tratar o outro com o devido respeito. Assim, teremos um mundo muito melhor”.

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