A recepcionista que acusou Paulo Roberto Falcão, ex-coordenador de Esportes do Santos, de assédio sexual no apart-hotel onde ele morava, se diz “indignada” com a decisão da Justiça de arquivar o caso, alegando falta de provas contundentes. Ela se manifestou em entrevista ao Portal Trivela.
Apesar de imagens de câmeras de monitoramento e o depoimento de uma testemunha, que confirmou a importunação sexual, a Justiça, por meio do juiz Leonardo de Mello Gonçalves, da 2ª Vara Criminal de Santos, acolheu o pedido do Ministério Público (MP), afirmando que não havia “indícios de ocorrência de ilícito penal” e, na semana passada, arquivou as investigações.
A vítima registrou um boletim de ocorrência (BO) na Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Santos, acusando o ex-jogador de ter encostado o órgão genital em seu braço por duas vezes. A decisão chocou a recepcionista, que prometeu lutar, junto de seus advogados, Pâmela Mendes e Pedro Grobman, pelo desarquivamento do caso.
“Esse arquivamento foi muito injusto. A Justiça quer que eu aceite que ele (Falcão) passe o pênis no meu braço e fique calada, mas eles não vão me calar. Ele invadiu um espaço que não era dele e cometeu um crime. Está nas imagens. Tem testemunhas que viram, e ainda assim a decisão foi de arquivar. Um absurdo. Ele tinha que tirar a roupa para ficar provada a importunação?”, desabafou a recepcionista, que está sem trabalho desde o episódio com o ex-jogador.
“Estou desempregada e com dificuldades para arrumar um novo emprego. Com o arquivamento do inquérito, fico com a imagem de mentirosa. Para as pessoas que não entendem, ele foi absolvido. Mas não foi isso que aconteceu e não é assim que vai terminar” afirmou.
Sem apoio
Desamparada! É este o sentimento da recepcionista após a decisão da Justiça. “Eu nunca me envolvi em problemas do gênero. Nunca pensei que passaria por isso. Sou casada. Não preciso e não quero essa exposição. No momento em que eu mais precisei e acreditei nos homens da Justiça, eles me abandonaram. Hoje, me sinto desamparada. Eles querem que eu me conforme com um crime desses e isso é revoltante”, destacou a vítima.
“Eu tenho pena da mulher dele”
Nas últimas semanas, a recepcionista ficou perplexa com a notícia de que Falcão, sem trabalhar desde que saiu do Santos, estava passando férias com a família pela Itália.
“Na verdade, eu sinto pena da mulher dele por fingir que nada aconteceu. Por fingir que não sabe o que ele fez comigo e com outras mulheres. Afinal, no próprio condomínio em que eu trabalhava, ele recebeu uma camareira de cueca. Eu acho muito triste ela se sujeitar a isso”, revelou.
A mulher disse que ninguém se colocou em seu lugar, no do seu marido ou da sua família.”Espero que ele pague pelo que me fez e aprenda a respeitar as mulheres”, completou.
Conforme o Artigo 215-A do Código Penal, praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro, prevê como pena a reclusão, de um a cinco anos, se o ato não constituir crime mais grave.
Advogados também estão surpresos
Contratados pela recepcionista, os advogados Pâmela e Grobman são assistentes de acusação do MP no caso e também ficaram surpresos com a decisão da Justiça.
“Nós fomos cerceados de apresentar a nossa defesa. Simplesmente ignoraram uma assistência de acusação e deram a decisão. Não tivemos o direito de argumentar. Fomos completamente surpreendidos com a decisão”, disse Grobman, que garante ter novas provas contra Falcão e que serão usadas para desarquivar o inquérito.
“A Justiça sequer juntou os antecedentes criminais do acusado no inquérito. Existem relatos de uma camareira, do mesmo condomínio em que a nossa cliente trabalhava, de que o Falcão já havia lhe recebido de cueca. Isso foi relatado a uma ex-gerente desse condomínio que revelou no seu depoimento na DDM. Mesmo assim, não se deram ao trabalho de pedir os antecedentes criminais dele. Estamos falando de um recorte de poucos meses da vida de uma pessoa de 70 anos. É obrigação da Justiça checar se existem outros casos contra ele”, argumentou o advogado.
Novas provas e mais testemunhas
Atormentada com o caso, Pâmela revelpu que está estudando estratégias para entrar com um recurso e pedir uma revisão do arquivamento.
“Estamos estudando estratégias com novas provas e mais testemunhas para entrar com um recurso contra o arquivamento de inquérito policial dirigido à Procuradoria-Geral de Justiça (PGJ). Queremos que a PGJ revise a análise do MP, que foi quem fez o pedido de arquivamento, e retome as investigações”, explicou a advogada.
“Vamos fazer isso porque o MP, que tem como função ser o guardião da lei, desamparou a vítima. O MP deu de ombros para ela”, prosseguiu Grobman.
Caso a PGJ, que é um órgão acima do promotor de justiça, entenda que o desarquivamento se faz necessário, um novo promotor será designado e as investigações retomadas.
Como foi a importunação sexual?
Recepcionista do empreendimento desde janeiro, a mulher foi à DDM de Santos e confirmou que Falcão se mudou para o condomínio em maio. Ao longo desse período, segundo ela, várias foram as vezes em que o dirigente lhe cumprimentou apenas com um “oi”.
Ocorre que no dia 2 de agosto, Falcão, de acordo com o relato da recepcionista à polícia, “se dirigiu ao espaço reservado para o monitoramento e disse, apontando para a câmera de segurança: ‘Não sabia que aqui tinha câmera de segurança’ sendo que enquanto o autor falava, ele imediatamente passou o pênis no braço esquerdo dela, que esquivou-se”.
Apesar de “constrangida”, a recepcionista optou por não tomar nenhuma atitude neste dia
Dois dias mais tarde, ainda segundo o relato da recepcionista, a importunação se repetiu. Falcão “foi até a recepção e ingressou novamente no espaço reservado para monitoramento, posto de trabalho da ofendida, onde é permitida apenas a presença de funcionários da recepção. Assim, apontou para a câmera que exibia uma imagem e disse: ‘nossa, que imagem bonita’, e, mais uma vez comprimiu o pênis no braço da vítima, dessa vez de forma mais contundente, e ela tornou a esquivar-se”, consta no relato à polícia.
Falcão se defende
Durante o seu depoimento na Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Santos, após o registro de um Boletim de Ocorrência, Falcão negou ter tentado importunar sexualmente a recepcionista e se defendeu dizendo que acessou o espaço destinado à mulher para visualizar o monitor e verificar se um colega de trabalho, também hóspede do condomínio, já estava a caminho da portaria, porque fariam juntos o uso de um carro de transporte por aplicativo.
Juiz enxerga desconforto à mulher
Na decisão que arquivou o caso, o juiz entendeu apenas que houve desconforto à mulher na situação, mas justificou a decisão ao afirmar que a aproximação não caracteriza o delito.
“Em que pese a aproximação inadvertida do investigado junto à vítima, em local onde somente as pessoas que trabalham no condomínio, onde ele residia, deveriam ter acesso, ressalto que tal contato, ainda que tenha acontecido, não é capaz de ser caracterizado como fato típico previsto no artigo 215-A do Código Penal”, constatou ele.