Por Carolina Fortes
Raniel, ex-atacante do Santos, abriu o jogo e fez um relato emocionante ao “The Players Tribune“. Em um texto em formato de carta, o atleta contou as dificuldades físicas e pessoais que passou até chegar ao Vasco, onde está desde o início da temporada.
Com apenas 25 anos, ele já travou lutas contra o alcoolismo e as drogas, enfrentou a quase morte do filho Felipe e ainda teve uma complicação da Covid-19, que quase o impediu de jogar. Para lembrar sempre da sua história, Raniel tatuou, abaixo do olho esquerdo, a data 07-12-20, quando ele parou de beber.
As dificuldades do jogador começaram ainda na infância, quando ele tinha três ou quatro anos e seu pai morreu. A mãe, sem condições de criá-lo, achou melhor deixá-lo aos cuidados de uma vizinha, a Dione.
“Ela me acolheu mesmo já tendo três filhos pra alimentar e muitas dificuldades financeiras. E aqui eu queria falar de um sentimento que ficou marcado em mim desde então: existe gente sacana e insensível em toda parte e em todas as classes sociais, mas a solidariedade do povo pobre do Brasil não tem igual. A Dione se tornou a minha mãe adotiva sem questionar, sem pensar se daria conta, sem temer”, diz o atleta.
Devido à pobreza da família, Raniel tinha apenas uma peça de roupa e nem toalha para se enxugar após o banho. “Me secava com roupa suja. Tinha que voltar, me lavar, me enxugar com aquela roupa suada e depois dar um trato nela no tanque. Até hoje sinto o cheiro do sabão… Um sabão quadrado, amarelinho. Aí eu torcia e pendurava a roupa na frente de um ventilador pra ela estar seca na hora de eu ir pra escola”, conta.
Vício em bebida e drogas e início da carreira profissional
A carreira no futebol começou quando foi convidado a treinar no clube Santa Cruz, onde passou para o profissional. Porém, nessa época também iniciou o seu vício em bebida e drogas.
“Com 14 anos eu comecei a beber. Depois, a me drogar. E até vender drogas eu vendi. É doído demais lembrar disso, parece que estou jogando sal numa queimadura de água-viva. Eu era só uma criança e acabei cedendo àquele mundo perigoso que me cercava”, relata.
Aos 17 anos, ele foi pego no antidoping por uso de cocaína e passou quase um ano sem poder jogar. Antes disso, havia recebido sondagens do Athletico-PR e do São Paulo. Dois anos depois, o Cruzeiro fez uma proposta pelo jogador. Ele ficou quatro anos no clube e ganhou duas Copas do Brasil e dois Campeonatos Mineiros.
“Foi o período mais feliz que eu tive no futebol, por enquanto. Apareci pra todo o país e mostrei meu potencial. Por isso, além do Santa, também sou muito grato ao Cruzeiro. Quantos clubes acreditariam num jogador com histórico de alcoolismo, drogas, pego no antidoping e tudo?”, questiona.
Quase morte do filho Felipe
Segundo o jogador, porém, a maior dor de sua vida foi quando o filho Felipe, aos 9 meses, se afogou na piscina, precisou ser levado ao hospital e teve 40 minutos de parada cardíaca, sem responder. “Eu dei um pulo da cama com os gritos da babá. Desci as escadas correndo e vi meu filho nos braços dela, desacordado, todo molinho, e com a boca espumando”, relembra.
“Peguei o Felipe e saí correndo do jeito que eu estava, sem camisa e sem chinelo, na direção do hospital que, por sorte, ficava na esquina da nossa rua. Entreguei meu bebê pros médicos e, depois de um tempo, um deles veio falar comigo e minha esposa: ‘A gente não tá conseguindo reanimar ele’”, continua.
Felipe voltou à vida, mas precisou ficar dias internado na UTI. Nesse período, que também era o auge da pandemia e os jogos estavam suspensos, Raniel voltou a beber.
“Eu tive uma recaída. Eu me afundei. Bebia, bebia, bebia até cair e bebia mais um pouco deitado. Só parava depois de desmaiar. Eu queria me destruir. Eu via que a qualquer momento algo grave ia acontecer comigo. E eu desejava que acontecesse, porque aquele abismo em que eu caí depois do antidoping no Santa Cruz ficou rasinho perto desse”, afirma.
Complicação da Covid-19 e volta por cima
Quando o futebol voltou, o jogador teve outro baque: contraiu Covid-19. Ele não teve sintomas muito fortes durante a infecção mas, menos de um mês depois, sofreu uma trombose aguda em estágio avançado, provável complicação do coronavírus.
Raniel foi levado às pressas para São Paulo e precisou operar. Após a recuperação, ele tentou voltar a treinar, mas não conseguiu. “A trombose tinha criado uma fibrose enorme na minha perna, encurtado um tendão, e eu mal conseguia colocar o calcanhar no chão”, relata.
“De longe, 2020 foi o pior ano da minha vida. Era um baque atrás do outro. Notícia ruim atrás de notícia ruim. Sem poder fazer o que eu amo, que é jogar bola, e bebendo cada vez mais, eu percebi que podia perder não só a minha carreira, mas também meus filhos e a minha família”, conta o jogador.
“Então, me agarrei a uma esperança meio capenga: ‘Bom, já voltei tantas vezes do precipício, por que não mais uma?’. Era verdade. Eu tinha voltado do abandono, das drogas, do tráfico, do doping, do acidente do meu filho, do alcoolismo, da Covid, da trombose, do risco de perder a perna… Até que eu me lembrei da maior esperança, a maior inspiração que eu poderia ter, e pensei: ‘Se meu filho voltou, eu posso voltar também’”, continua.
Depois disso, ele recebeu uma ligação do técnico Zé Ricardo, convidando-o a ir para o Vasco. “Eu entendi que passei por tudo o que passei para estar vivo neste dia, nesta hora, neste ano, em São Januário. É aqui que vai acontecer mais uma volta pra mim. E com ela eu espero contribuir com a volta do Vasco também. Eu passei pelo que passei para ser quem eu sou hoje. E agora o Vasco faz parte de mim”, relata Raniel. Leia o texto na íntegra.