Por Jaqueline Fernández Alves*
A estima é um sentimento genuíno de apreço com relação a algo. Também pode ser definida como um certo respeito que se sente por alguém, proveniente do reconhecimento de seu valor moral, profissional. E ainda pode ser aquele sentimento agradável que temos pelas recordações do passado.
O lapso causa esquecimento e desvalorização, insegurança e abandono. O lapso de estima, designado ao patrimônio histórico, é a concretização da incompetência do poder público de gerir adequadamente o que é por direito do cidadão, e o descaso de uma sociedade irresponsável, que assiste sempre aos mesmos capítulos de desgaste e destruição da memória sem, sequer, se importar.
Nesta quarta-feira, 20 de outubro, às 18 horas, a Câmara Municipal vai realizar a audiência pública que tratará do tombamento do Clube Atlético Santista. As audiências públicas são recentes nesse contexto, passaram a existir através de uma lei de 2017 que “exige a realização de audiências públicas como pré-requisito para tombamento de bens no município de Santos”.
O Conselho que vai julgar o tombamento é de caráter deliberativo, composto por membros do executivo municipal e por representantes da sociedade civil, que, em tese, estariam representando toda a sociedade santista interessada em preservar seu patrimônio histórico.
A audiência pública é uma oportunidade ampliada para que a população possa participar e entender as reais questões que envolvem o tombamento ou não de um edifício. De qualquer forma, a discussão pode ser positiva e abrangente, já que chama a atenção os dez anos de espera na fila da burocracia para que o pedido de tombamento pudesse finalmente ser avaliado.
O tombamento do Atlético, quando solicitado naquela ocasião, em 2011, teve como premissa um trabalho final de graduação de um curso de Arquitetura e Urbanismo. A proposta era a revitalização de todo o terreno originalmente pertencente ao clube.
Como um exercício utópico, mas absolutamente de acordo com as premissas que um exercício dessa categoria deve ter, foi criado um Complexo Esportivo de Natação e outros esportes e, com isso, provar que há soluções para a reabilitação de imóveis dessa categoria, preservando um edifício de interesse histórico e cultural, por ser um exemplar modernista e criando novos e contemporâneos equipamentos, trazendo benefícios coletivos e públicos, como uma cidade deve ter.
No mesmo período se assistia à demolição da maioria dos remanescentes dos clubes esportivos e sociais da cidade – Clube XV, Regatas Santista, Saldanha da Gama, Vasco da Gama, Caiçara Clube e Clube Sírio Libanês –, o que gerou interesse.
A cidade avaliada apenas como valor de troca, utilizando-se do território para empreendimentos particulares e imobiliários não dá chance de a memória permanecer e da identidade persistir. A desinformação generalizada remete a cidade de Santos a um lugar na história onde não havia preocupação efetiva com o patrimônio.
As políticas de acautelamento eram aquelas definidas pelo IPHAN (órgão federal) ou pelo CONDEPHAAT (órgão estadual). Foi a partir da criação do CONDEPASA, no final de década de 1980, que se pode pensar na preservação dos conjuntos urbanos remanescentes.
O programa Alegra Centro é criado em 2003, mas sucumbe algum tempo depois somado a tantos problemas estruturais, econômicos, sociais e pandêmicos dos últimos tempos. O que se vê, novamente, é o discurso ultrapassado da preservação daquilo que é histórico versus aquilo que é antigo.
Falácias são vendidas como verdades absolutas e o cidadão fica entre a cidade que ele acha linda, quando vê em uma foto colorizada, e a cidade que não reconhece, por estar malcuidada e malconservada. Parecem velharias, diriam!
Os grandes grupos econômicos da cidade, retrógrados quando se trata da preservação do centro histórico ou de exemplares de interesse pela cidade, ainda não entendem que preservar é ser moderno. Preservar traz em si a autoestima onde se revelam as origens de toda uma sociedade, não somente de uma parcela dela.
Já nos anos 1940 e 1950, foi a Arquitetura Barroca Brasileira preservada que acabou por instituir o valor que a nossa Arquitetura Moderna passou a ter no exterior e como passamos, a partir de então, a ser observados e valorizados. É obrigação do poder público colocar em prática as políticas de patrimônio existentes. Por isso são públicas, porque são de todos.
Somos um país frágil, de educação limítrofe, que acaba se perdendo entre os valores sociais. As mudanças que se produzem nas relações com os diversos meios coletivos no trato da preservação e da educação não se sustentam, daí vem o esquecimento e a desvalorização. A estima que traz a memória coletiva será alentadora quando, talvez um dia, possamos também estar em condições mais igualitárias.
A memória de um lugar e seus bens culturais devem ser coisas aprazíveis, positivas, gratificantes, benéficas e confiáveis, não podem, em absoluto, representar outros valores que não sejam esses. É um valor singular dos homens de bem e não ditados pelos homens de bens, como escreveu certa vez o historiador Ulpiano Bezerra de Menezes. O campo das forças contrárias a essas prerrogativas do bem sempre será algo mal visto e substituível. Assim, vamos cheios de coragem, ainda há tempo.
*Jaqueline Fernández Alves é arquiteta e urbanista especializada em restauração do patrimônio histórico e cultural; doutoranda pelo programa de pós-graduação da Universidade São Judas Tadeu; professora universitária; conselheira do CAU/SP; gestora do coletivo Jornada Santista do Patrimônio Histórico; criadora do blog Santos Antiga @blog_santos_antiga
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Folha Santista.