Uma das personagens mais célebres de Santos, nas décadas de 70 e 80, teve sua trajetória registrada em documentário. Homossexual assumido, Dudu do Gonzaga enfrentou uma série de preconceitos e marcou sua presença pelo comportamento autêntico e extravagante.
Luiz Eduardo D´Agrella Teixeira nasceu em Santos, em 1947, e morreu assassinado em São Sebastião, no Litoral Norte, em novembro de 1982, aos 35 anos de idade.
A ideia de produzir o documentário “Dudu do Gonzaga” foi do diretor Nildo Ferreira. “Tudo partiu de conversas com amigos. A gente tinha o planejamento de fazer o filme há um bom tempo, mas nunca dava, em função da vida corrida. Acabamos deixando o projeto escrito e ficamos esperando a oportunidade de um edital. Santos lançou o edital do Fundo de Assistência à Cultura (Facult), a gente ganhou e pôde produzir com recursos e mais tranquilidade”, conta.
Nildo explica que conhecia a história de Dudu apenas de ouvir falar. “Havia algumas coisas escritas, mas muito pouco. As pessoas falavam com tanta veemência, tanto carinho sobre ela que, a partir daí, comecei a estudar e entender essa personagem para poder fazer o filme”.
Victor Alencar, codiretor do filme, também conhecia a trajetória de Dudu apenas vagamente. “Sabia que tinha sido uma figura importante, muito marcante, dentro do contexto histórico e social na Baixada Santista. Fui conhecer mais profundamente nas pesquisas com o Nildo para o filme e, mais claramente, quando a gente foi encontrar com o irmão. Eu também tive contato com a irmã, mas ela não quis conceder entrevista para o documentário por motivos pessoais”, revela.
“Nós pudemos explorar várias facetas da Dudu do Gonzaga. Dessa forma, conseguimos abranger as camadas do que Dudu representou e como era Dudu na questão pessoal”, destaca Victor.
Os diretores ressaltam a relevância e o protagonismo da personagem em questão no avanço das conquistas LGBT. “Na época em que ela viveu, não existiam tantos movimentos sociais de luta. Mas, a importância da personalidade dela despertou nas pessoas que vieram depois uma outra visão. O filme tem esse objetivo, também, de trazer a discussão à tona. Só o fato de a Dudu ter existido e atravessado aquele Gonzaga do jeito que ela era fez muita diferença”, destaca Nildo.
Victor entende que Dudu era, de certa forma, um avanço na época. “Ela acabou sendo aceita pela sociedade por ser uma figura que mexia bastante com o status quo daquele ambiente, daquele espaço do Gonzaga, que era e até hoje é elitizado. Ela participava daquele ambiente de elite por ser de uma família de nome de Santos naquela época”.
Liberdade e resistência
Para ele, a presença de Dudu representou um espaço de liberdade e resistência muito importante “por seu pioneirismo em afirmação ao que se é, de fato, ao que se sente ser e ao que se colocou para o mundo. Ela questionava, lutava, batia de frente”, avalia.
Victor diz que a questão de assumir a homossexualidade ainda requer muita coragem, embora haja certo avanço. Ele avalia que em Santos, principalmente, a questão é ainda muito sentida.
“Hoje, as lutas são um pouco mais fortes. Longe do ideal, mas acho que a gente está caminhando para uma coisa bacana em relação à aceitação do homossexual. É muito louco, mas o mundo caminha dois passos, retrocede três. Por isso, a união, entre nós minorias, pessoas LGBTs, tem que estar sempre muito plena. Temos, ainda, uma luta extensa”, acrescenta Victor.
Morte e mistério
O assassinato de Dudu do Gonzaga, até hoje, não foi solucionado e, em consequência, o autor do crime não foi preso. A versão mais aceita dá conta de que ela viveu um intenso romance com um policial militar.
O relacionamento teve de acabar depois da transferência do policial para São Sebastião. Disposta a não encerrar o namoro, Dudu conseguiu um emprego em uma boate da cidade e acabou se mudando também.
Entretanto, a aventura de Dudu em São Sebastião durou somente 15 dias. Durante o período, ela não escondeu o relacionamento com o policial. Com medo de assumir o romance e enfrentar os preconceitos de uma cidade pequena, o homem matou Dudu com três tiros, no pescoço e cabeça.
Depois do crime, o corpo de Dudu voltou a Santos e a família realizou seu último desejo: o carro em que estava o caixão atravessou a Avenida Ana Costa, no coração do bairro do Gonzaga.
Maior do que a morte
“Este assunto era um dos nortes do filme, no início, mas depois foi ficando de lado. A gente foi vendo que a personagem era muito mais interessante. Sobre o assassinato, a gente descobriu poucas coisas. O nosso pesquisador não conseguiu muito acesso aos documentos antigos na polícia de São Sebastião”, relata Nildo.
“Além disso, nas décadas de 80 e 90, boa parte do material foi perdido, porque ia ser digitalizado pelo governo do estado, mas não foi. O tema foi colocado no filme, inclusive por uma imposição do Petit (Manoel Petit, irmão de Dudu), mas não teve como a gente dar nome ou falar quem é a possível pessoa que o assassinou. Por isso, o filme partiu para outro lugar” relembra.
Victor conta que, pelas conversas que ambos tiveram com os familiares, ficou claro que esta é uma questão bem resolvida para eles, até mesmo em relação a quem é o assassino. Porém, por ser uma questão jurídica, os diretores do filme não puderam “apontar dedos, digamos assim”, conta ele.
“Fizemos nossas investigações, mas, para o filme, em si, Dudu era uma figura maior do que foi a morte dela. Embora não se pode deixar de frisar que foi uma morte violenta, como acontece sempre com pessoas trans, drags, homossexuais assumidos. Parece que a pessoa que ataca está realmente com vontade de destruir. Você não quer só matar, você quer destruir aquela pessoa. A homofobia se alimenta de ódio, intolerância, é sem lógica”, acrescenta.
No filme, reforça Victor, o assunto é pouco tocado também pelo fato de que o objetivo maior era exaltar a figura da personagem e o quanto ela é importante, como reverbera até hoje, para além da morte.
“Sabemos que foi o companheiro dela que a matou, mas não podemos dar o nome da pessoa. É muito triste pensar que isso se perpetua. Quantos LGBTs não morrem e os autores não são pegos? São mortes silenciadas”, completa o codiretor de “Dudu do Gonzaga”.
Entrevistados
Para traçar um relato fiel de como era Dudu, Nildo e Victor fizeram algumas entrevistas para o documentário. Primeiramente, há um depoimento da mãe, Maria Isabel D´Agrella; o irmão, Manoel Petit, a principal fonte, segundo Nildo; Silvino, cantor e ativista LGBT; Jr. Brassalotti, produtor cultural; Ucho Carvalho, amigo de infância de Petit, que conviveu com Dudu; Rosane Paulo, atriz; e Beto Volpe, ativista LGBT.
Assista abaixo o documentário “Dudu do Gonzaga”: