Há alguns anos eu fazia exatamente parte do grupo de mulheres que enxergava outras mulheres como rivais. Eu era a garota que dizia “mulher é tudo falsa”, “olha que ridícula aquela roupa” e “tenho certeza de que ela quer tirá-lo de mim”.
Tudo sempre por essa esfera da competição. Tudo sempre através de uma lente embaçada, de uma lente que, de tão turva, me impedia de ver com clareza o que as coisas de fato são.
Essa percepção, além de mentirosa e inventada, é mais um dos inúmeros mecanismos para nos manterem ocupadas demais, já que, pensando assim, estamos sempre em alerta em relação às outras mulheres que nos circundam, como se elas estivessem ali apenas esperando a oportunidade ideal para “roubar” o nosso lugar.
Dentro dessa máxima não há descanso, precisamos estar atentas para sermos melhores que aquela uma, mais bonitas que aquela outra, mais bem-sucedidas que aquela ali e mais magras que aquela lá.
Nos colocaram numa redoma de vidro feita de mitos, num ciclo vicioso de insuficiência e busca por padrões inexistentes. Vejo meninas insatisfeitas com seus corpos perfeitos. E não me conformo principalmente porque, eu mesma diante do espelho, me cobro sobre o que poderia ou deveria ser diferente em mim, ainda que eu esteja dentro de um padrão x, ainda que eu não sinta vontade alguma de intervir no meu corpo cirurgicamente, ainda que eu tenha consciência da nocividade dessa exposição midiática de mulheres perfeitas que não existem de fato.
Hoje, eu não enxergo outras mulheres como rivais. Embora me pegue ainda, vez ou outra, sentindo-me ameaçada por uma ou outra mulher que cruza meu caminho. É difícil se livrar de algo que nasce com a gente, é difícil passar a perceber que nós, quando juntas, somos muito mais fortes do que qualquer padrão criado e imposto pelo homem.
O que não percebemos ainda é que, sutilmente, nos colocaram umas contra as outras para que possam assegurar seus privilégios ad infinitum. Essa competição velada nos coloca em relações unilateralmente monogâmicas. Os homens traem, mentem e não são responsabilizados. As mulheres esperam e sofrem, se comparam e se culpam por erros que não lhes cabem. Não nos falamos, não nos ouvimos.
E se começarmos hoje a enxergarmo-nos como Deusas? E se, a partir deste momento, pudéssemos ver na face de outra mulher o nosso próprio reflexo?
Estamos todas em busca de liberdade, de espaço, de tempo. O que eles ainda não perceberam é que, diante da dor, começamos a reconhecer nossa força e inteligência, nosso valor e capacidade.
Hoje, ao olhar outra mulher, eu penso: “Uau, quantas histórias ela carrega? Quanta força se esconde atrás desse sorriso? Que maravilhosa com essa roupa! Que incrível que ela faça isso! Que surpreendente vê-la se divertir. Que encorajador vê-la perseguindo sonhos!”. Hoje, ao olhar uma mulher, eu penso “Que bom que eu também sou uma mulher como ela”.
Queremos verdade, transparência, acordos sólidos, parcerias que desafogam. Vamos questionar todas as imposições que nos condicionaram às arestas do lar, à distância dos nossos desejos e ambições. Passaremos a nos olhar com gentileza e enxergaremos, antes da aparência, a força que nos compõe, a irmandade que é de nossa natureza.
Respeito e divindade.
Respeito à nossa divindade.
Nunca mais uma rival, nunca mais alguém melhor ou pior. Apenas alguém que luta a mesma guerra, que busca o mesmo voo, que almeja a mesma sensação de poder ser amada por ser quem é. Nunca mais se esforçar para caber onde não se cabe, nunca mais se diminuir para permanecer.
A sua dor é minha, por isso você se reconhece nessas linhas.
A minha história é sua, por isso você se sente corajosa.
Estamos aqui para revolucionar tudo que eles pensaram estruturar de forma definitiva. Vamos derrubar os pilares que nos aprisionam, vamos gritar contra todos que dizem que estamos erradas por querermos exercer o direito de sermos mulheres em totalidade.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Folha Santista