Nesta terça (29), eu decidi pedir a opinião dos meus amigos e seguidores do Instagram sobre temas que gostariam que eu escrevesse.
Lancei uma caixinha para que me enviassem suas sugestões, e li cada uma delas com muito carinho e alegria pela interação crescente nas redes. Eu, enquanto escritora, não funciono bem escrevendo sobre temas pré-determinados, mas funciono bem quando determinada ideia, mesmo externa, me faz pensar.
Dentre as muitas respostas enviadas, uma me pegou pelo estômago:
“Sobre ser livre!” Dizia a mensagem da minha amiga Jéssica Monteiro. “Escreva sobre ser livre”.
Imaginem que assim que li as três palavras – sobre ser livre – iniciei um processo de reflexão sobre o que, de fato, eu considero como liberdade. Sobre o que significa, pra mim, dentro dos parâmetros da minha vida, e para além do significado constante nos dicionários.
– O que é liberdade afinal?
– Será que ela sugeriu por que me vê como alguém livre?
– Será que eu sou livre?
– Quais são os impeditivos que me colocam, incontáveis vezes, em situações que me fazem sentir sempre em busca de mais do que chamam de liberdade individual e coletiva?
– A liberdade é uma coisa, algo, ou é um sentimento, objeto abstrato impossível de definir ou medir?
Se você perguntar para alguém “O que é ser livre pra você?”, arrisco dizer que a esmagadora maioria diria: “É fazer o que eu tenho vontade!”
Eu concordo, ser livre é fazer o que se quer, mas acho demais simplista a resposta.
Eu não quero apenas fazer o que eu quero. Eu quero fazer o que eu quero sem medo.
Uma vez alguém perguntou para Nina Simone “O que é liberdade pra você, Miss Simone?”.
E ela disse: “Liberdade é não ter medo!”.
Sendo assim, Jéssica, como eu poderia escrever sobre ser livre se nunca, nenhum dia, experimentei viver sem medo?
Talvez na infância, numa fase da qual não tenho lembranças. Talvez quando eu cabia inteira envolta nos braços da minha mãe, que hoje já não pode mais me abraçar, já não está aqui para curar tudo que eu sangro num beijo.
Poderia te dizer que a mulher posicionada, mãe solo, com opiniões formadas, voz grave, cabelo curto, tatuagens, sem religião, lésbica, trans, drag, engenheira, pilota de avião, presidenta de um país, não é livre. É corajosa.
Eu sou corajosa.
Minha mãe foi corajosa.
Você é corajosa.
Percebe, Jéssica?
Percebe por que precisamos cortar nossos cabelos sem medo de ficar menos atraentes, precisamos gostar de nossos corpos sem fazer comparações com as mulheres do nosso convívio, devemos usar as roupas que queremos sem achar que somos mais ou menos respeitáveis.
Precisamos nos reconhecer, reconhecer toda uma estrutura transparente e frágil que se vale de inseguranças que nunca tivemos, que criaram dentro de nós, como pequenos animaizinhos indefesos, adotados após anos de maus tratos.
Olha, Jéssica, eu quero muito, um dia, sentir e poder te dizer o que é ser livre.
Hoje, agora, escrevendo essa frase, eu choro. Porque eu só posso dizer como é ter coragem. E ter coragem dói, porque é difícil e exaustivo demais combater pensamentos tão primários, tão embasados em vazios.
A coragem precisa ser estimulada por nós mesmas, tomando atitudes que outros desaprovam, mas que nós achamos boas para nós.
Assim, quem sabe, podemos ter maiores vislumbres do que chamam de liberdade. Quem sabe até sentir, quem sabe até viver.
Eu, parafraseando Clarice Lispector, digo que não. Digo que liberdade é pouco. O que desejo ainda não tem nome.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Folha Santista