Início Colunas

Sobre definir significados

Kamila Drieli: “Ser burro e estar na internet é uma contradição tão cafona quanto essa ânsia de negar que todos podem e devem ser livres”

Foto: Spencer Davis on Unsplash

Seja conservador sim, mas não um idiota. Até dentro deste adjetivo cabe sensatez, veja só.

con·ser·va·dor

1.Aquilo que conserva ou preserva algo em bom estado, evitando alterações que provêm de deterioração ou extinção.

2. Indivíduo afeito a ideias e costumes antiquados, já ultrapassados, manifestando-se contrário a quaisquer mudanças da ordem estabelecida.

Fonte: Dicionário Michaelis

Eu mesma sou conservadora Tipo I.

Com minha playlist, por exemplo, eu considero inadmissível substituir Queen ou ABBA por algo atual. O que não significa que eu não ouça o Mustang preto e o Doce 22. Significa apenas que eu não poderia ser feliz num mundo que extinguisse as músicas do Michael Jackson por que surgiram outras.

Também sou conservadora sobre arquitetura, móveis de forma geral e objetos tipo máquinas de escrever. Usar um notebook me torna uma hipócrita? Acho que não. Mas na minha casa, na minha infância, tinha uma máquina de escrever verde e eu, de repente, me apaixonei por letras a partir dali. Logo não vejo necessidade de se destruírem todos os exemplares restantes e inofensivos espalhados pelo mundo, carregados de história, só por que existem MacBooks Pro e tantas outras tecnologias portáteis.

Fala sério, é maneiro observar um edifício todo moderno, cheio de curvas, metal, vidro. Mas lindo mesmo são os ângulos das basílicas antigas talhadas em pedra, as colunas da Acrópole e as casinhas no centro de Salvador. Mas aqui em casa a geladeira de inox convive pacificamente com as cadeiras estilo retrô.

Eu acho que os E-books são fantásticos, lancei um ano passado (link na Bio), mas não abro mão de segurar um livro e observar cada palavra impressa naquele compilado de folhas. Não abro mão da minha estante repleta deles, animando o ambiente, dando vida ao lar. Mas a minha ideia estética não diminui o valor de poder, também, carregar livros no celular.

O que não dá pra ser é conservador do Tipo II, falando sem nenhuma solicitação sobre o que o outro, seu semelhante, pode ou não fazer. Pior, sobre quem o outro, seu igual, pode ou não amar.

Conservadores deste tipo não querem apenas manutenção de sua vida como é, eles pleiteiam pelo extermínio do diferente, do novo, algo que eu sequer cogito mantendo minha preferência por coisas antigas.

Que preguiça é essa que faz com que se mantenham inertes diante da violência que se instaura por conta de sua conivência? Ser burro e estar na internet é uma contradição tão cafona quanto essa ânsia de negar que todos podem e devem ser livres como foi negado ou como você não tem coragem de ser.

Sejamos conservadores sobre a arte, sobre a longevidade do que é belo, para os nossos filhos, para quem vier depois de nós. O que oprime e julga, ainda que antigo e resistente ao tempo, é que deve acabar. Especialmente quando se trata da forma como achamos que se deve viver, especialmente sobre nossa forma de pensar o mundo, de delirar sobre uma rigidez que não combina com a grandeza de se poder evoluir.

Conservemos a natureza, a nossa origem mesma. O que foi explicado e desmistificado deve ser substituído, renovado.

Antes não tinha, agora tem.

Se tem, se alguém é, você poderia ser, seu filho poderia ser, seu amigo pode ser, seu pai deve ser.

Só o amor atravessa o tempo inteiro.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Folha Santista.

Escritora, mãe, mulher e formada em Biologia Marinha. Na infância, lia livros de fantasia. Com o passar do tempo, a escrita se tornou essencial. Seu primeiro livro – “A Portadora da Luz” – está disponível na Amazon. Hoje, ela usa diferentes meios para se expressar: música, desenho, poesia e fotografia.
Sair da versão mobile