No momento em que o país atravessa uma fase extremamente delicada, na qual o setor da Saúde e seus profissionais são diariamente desrespeitados e desvalorizados pelo governo federal, é sempre bom relembrar a importância do sanitarista pernambucano David Capistrano da Costa Filho. Este dia 10 de novembro marca duas décadas de sua morte precoce, aos 52 anos.
O médico foi, sem dúvida, uma das maiores lideranças da Saúde que o país produziu. Desenvolveu e implementou políticas públicas pioneiras, que acabaram por se tornar referência em todo o mundo.
Capistrano foi um dos principais responsáveis pela consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil. O SUS, que durante a pandemia do coronavírus vem, novamente, assumindo um papel imprescindível e de protagonismo na vida dos brasileiros.
Em São Paulo, implantou o Projeto Qualis/Programa Saúde da Família, do qual foi coordenador junto com o ex-ministro Adib Jatene.
Filho do político e guerrilheiro David Capistrano da Costa, Davizinho, como era carinhosamente chamado, teve uma ligação muito intensa e profícua com a cidade de Santos. Foi secretário de Saúde na gestão de Telma de Souza (PT), entre 1989 e 1992, e prefeito, de 1993 a 1996.
Revolucionário, estadista, visionário, humanista, ousado. Enfim, Capistrano não cabe em apenas um adjetivo. Ele mesmo se definia como um apaixonado por Santos e seu povo, especialmente as camadas mais pobres da população.
Sob seu comando firme, Santos foi a primeira cidade do país a fechar o pavoroso e desumano manicômio que, por ironia, levava o nome de Casa de Saúde Anchieta. Para substituir a prática anacrônica promovida por essa “casa dos horrores”, ele criou a rede de núcleos de Atenção Psicossocial (NAPSs, hoje chamados de CAPSs) para atender aos pacientes de saúde mental.
Entre outras inovações, o sanitarista também foi responsável por Santos ser pioneira no programa de Atendimento e de Internação Domiciliar (PAD/PID), além de oferecer, junto com uma equipe competente, o coquetel de medicamentos para pacientes com HIV positivo, ação que se tornou referência mundial.
Com a participação do médico, foram desenvolvidas ações inéditas, como a construção das primeiras 23 policlínicas de Santos e do Brasil, o que mudou o conceito de atendimento, com foco na prevenção e na Estratégia de Saúde da Família (ESF).
Capistrano também teve destaque na realização da obra de urbanização do Dique da Vila Gilda, idealizada na gestão de Telma. A benfeitoria foi outro de seus feitos que obteve reconhecimento internacional.
O sanitarista morreu no dia 10 de novembro de 2000. Ele tentava se recuperar do transplante de fígado, realizado no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Capistrano sofria de um problema crônico no fígado, causado por seguidas sessões de quimioterapia a que foi submetido, cerca de dez anos antes, para combater a leucemia.
Sonhos e conquistas
Ao longo de sua trajetória, ele encontrou companheiros e companheiras para dividir o trabalho duro. “Partilhamos sonhos e ideais de vida, somando esforços na construção de uma sociedade mais justa. Colocamos os nossos governos, na Administração Democrática Popular (1989-1996), à disposição da estruturação de políticas públicas consistentes, sobretudo com a implantação do Sistema Único de Saúde”, enfatizou Telma de Souza.
Outro dos seus parceiros de luta, o médico sanitarista, professor e ex-ministro da Saúde, Arthur Chioro, também ressaltou a relevância de Capistrano.
“A ele devemos muitas das conquistas e a consolidação do SUS. A sua indignação contra toda forma de injustiça e seu compromisso em defesa da democracia e da produção de políticas públicas inclusivas e solidária ficarão para sempre. David foi e continuará sendo um grande mestre para várias gerações de sanitaristas e ativistas que ousam mudar o mundo”, afirmou.