Em dezembro de 2017, foi realizada em Manaus a VI Conferência Internacional de Pesquisas e Estudos sobre Economia Social e Solidária. Participaram cinco integrantes do movimento de economia solidária da Baixada Santista e três de Campinas que têm proximidade com a região litorânea. Foram apresentados pelos participantes desse grupo oito trabalhos científicos, sendo que um deles se intitulava “Influência da Desigualdade, o Avesso da Solidariedade, no Funcionamento Social”. O autor é o professor José Pascoal Vaz.
No mesmo dia e horário da apresentação do trabalho pelo professor Pascoal, em outra sala da Universidade Federal do Amazonas, a pesquisadora científica do Instituto de Pesca, Ingrid Cabral Machado, apresentaria um trabalho que elaboramos em parceria: “Trajetória da Cooperativa de Ostras de Cananeia: traduções e resiliência”.
Havia um problema: como estar presente nos dois locais? Assisti à apresentação feita pela Ingrid e corri para a sala onde se dava a exposição do professor Pascoal. Para minha sorte, lá havia um atraso na programação e consegui ainda assistir grande parte. Havia muitas pessoas na assistência, certamente pela força do tema que o professor abordava. Ao final, aplausos.
Posteriormente, como de praxe, as perguntas. O debate se instalou e fez emergir ideias, o que é um fenômeno comum nos congressos, seminários e conferências. Porém, havia um componente diferente naquela sala. Parecia haver proximidade entre o autor do trabalho e aquelas pessoas, como se conhecessem e estivessem em relação há muitos anos.
Perguntas, respostas e reflexões que criaram um alinhamento nas propostas de como, no mínimo, reduzir as desigualdades sociais por meio da construção de uma outra economia, social e solidária. No entanto, pouco ou nada sabiam sobre aquele professor. O trabalho apresentado era resultado de uma trajetória de estudos, lutas e ações, principalmente na Baixada Santista.
Tive a percepção de que para aquelas pessoas também seria enriquecedor terem o conhecimento sobre seu autor. Estava ali um homem que, aos 76 anos, professor doutor, profissionalmente realizado, se dispôs a estar em um congresso, denominado conferência, organizado a 4 mil quilômetros de sua residência, que arcara com todos os custos de transporte, hospedagem, alimentação e taxa de inscrição do evento. Quais seriam os objetivos? Quais propósitos o motivavam?
O debate diminuíra de intensidade e aquela apresentação, que foi uma das mais concorridas do evento, se encaminhava para o final. Solicitei a palavra e disse que gostaria de falar sobre o autor daquele trabalho, para que todos tivessem em suas lembranças o orgulho de terem assistido ao professor José Pascoal Vaz.
Iniciei. O professor Pascoal é economista, integrou a direção da Fundação Companhia Siderúrgica Paulista de Seguridade Social, presidiu a Companhia Santista de Transportes Coletivos em um momento crucial, o da intervenção na Viação Santos-São Vicente pela prefeitura de Santos. Até então, o proprietário da empresa privada aumentava os preços das tarifas ao seu bel prazer, como se fosse o dono da cidade. Além disso, foi secretário de finanças da mesma prefeitura, coordenou os estudos para a implantação do Banco Regional da Baixada Santista. Essa ideia, que tinha relação com o desenvolvimento local, foi bombardeada pelos representantes do sistema financeiro e adversários políticos do Partido dos Trabalhadores, responsável pela gestão de Santos, e terminou sepultada. Importante ressaltar que essa iniciativa, atualmente, está associada aos bancos criados pelas prefeituras com gestão compartilhada com a sociedade organizada.
Continuei a falar do professor. Pascoal ministra aulas em universidades, atuou e atua na formação de uma quantidade expressiva de alunos de graduação e assessora movimentos sociais. Teve uma participação determinante na criação do Fórum de Economia Solidária da Baixada Santista, inclusive nos aproximando de outros professores, como Paul Singer e Ladislau Dowbor, que passaram a estar com frequência na região de forma voluntária, militante, fazendo formação.
A desigualdade social foi tema da sua tese de doutorado em História Econômica na Universidade de São Paulo e motivo da sua indignação que o faz um militante incansável. A sua credibilidade é notória, todos que tiveram a oportunidade de conhecê-lo o respeitam e admiram pelo seu conhecimento e conduta ética. Escreve nos jornais locais e comumente participa de entrevistas em rádios e TV.
Ao final dessa breve apresentação da trajetória e atuação do professor Pascoal, mais aplausos. Era ele sendo aplaudido, reconhecido em um congresso internacional.
Estava explicado o que motivou o professor a participar daquele evento: expor para o maior número de pessoas os efeitos nefastos da desigualdade social e propor soluções para eliminá-la. Além disso, estar em um grupo de amigos e companheiros de luta em uma viagem plena de alegria e propósitos, era um grande prazer para ele.
José Pascoal Vaz, o nosso professor, o militante das causas sociais, aquele que honrou a profissão de economista, está encantado. No dia 27/03/2022 perdeu uma batalha que travou com dignidade e coragem contra uma doença. A Baixada Santista, São Paulo e o Brasil estão mais pobres. Fica o seu exemplo, o seu legado, de uma pessoa gentil, solidária, que estudou para formar trabalhadores e apoiar os seus movimentos pela construção de uma sociedade justa e igualitária.
O congresso de Manaus foi muito importante para nos aproximarmos ainda mais. Foi a oportunidade que tive para homenagear em vida um professor, um companheiro que eu admirava e que estará comigo até o dia em que também partirei.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Folha Santista.