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Paul Singer na Baixada Santista

Newton Rodrigues relembra a importância do economista: “Na última visita à sua casa, vimos vídeos de palestras do Professor pelo celular, conversamos sobre alguns aspectos da EcoSol”

Foto: Arquivo pessoal

O livro intitulado “Paul Singer: democracia, economia e autogestão”, escrito por Aline Mendonça e Claudio Nascimento, e que, em 2020, foi relançado em segunda edição pela editora Lutas Anticapital, aborda de forma brilhante a biografia do professor – forma como o chamávamos –. Aborda aspectos da sua vida pessoal e do seu encontro com a economia solidária (EcoSol), forma de organização da economia que, para ele, representa experiências que podem superar o capitalismo com o seu crescimento pelo fato de os trabalhadores serem os gestores dos meios de produção e o fazerem de forma democrática e em reciprocidade.

Assim, nos empreendimentos econômico solidários não há patrão e, comumente, assumem a forma jurídica de cooperativas e associações, mas também há grupos informais. Aline e Claudio participaram de uma live organizada pelo Fórum de Economia Solidária da Baixada Santista (FESBS) em 15/5/2020, Dia Nacional de Economia Solidária. Eles abordaram o conteúdo do livro (ver aqui).

Neste texto não tenho o objetivo de expor o que já foi bem feito por Aline Mendonça e Claudio Nascimento. No entanto, ao ocupar a titularidade da Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes), entre 2003 e 2016, interrupção ocorrida devido ao golpe jurídico-parlamentar, Singer percorreu diversos locais do Brasil e do exterior, sempre a convite, para falar sobre a EcoSol.

Seria impossível para os autores da sua biografia escrever todas as ações que Paul Singer realizou, tamanha a sua empolgação, energia e compromisso com a construção de uma outra economia.

Uma das regiões em que a sua presença foi determinante para a formação de militantes do movimento de EcoSol é a Baixada Santista. Assim, relatarei os encontros com o Professor para deixar registrada a sua importância para a estruturação de empreendimentos econômico solidários na região, a emergência da rede sociotécnica denominada FESBS e a implantação de projetos de EcoSol pelo poder público.

O Professor chegou ao Brasil, no Porto de Santos, no dia em que completava 8 anos de idade. A sua família, de origem austríaca, se refugiava no Brasil devido às ameaças do nazismo que assassinava os judeus, tragédia bem conhecida de todos, e que ceifou a vida de parentes de Paul Singer que permaneceram na Europa.

O primeiro contato do Professor em solo brasileiro ocorreu em Santos, como relatado no livro citado: “No dia 24 de março de 1940 – dia em que Singer fazia aniversário, a bordo de um navio italiano chamado Neptúnia, às 19 horas e 52 minutos, Singer, sua mãe Carolina, seus tios (tio e esposa) e sua tia-avó chegaram no porto de Santos”.

Paul Singer é um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT), mas foi o professor José Pascoal Vaz, então filiado ao Partido Socialista Brasileiro (PSB), que o trouxe em 1990, provavelmente, por este partido a Santos para uma palestra sobre economia.

Era uma época de ricos debates e de esperança, sendo comum haver na região a convite da direção do PT a presença de Lula, José Dirceu, Aloísio Mercadante, José Genoíno e Florestan Fernandes.

Em seu relato, Pascoal afirma que o evento se deu no prédio da Fundação Lusíadas, atualmente Universidade Lusíadas e que foi “buscá-lo em São Paulo, onde o encontrou na porta do prédio onde morava com a sua esposa Melanie que levava o cachorrinho da família, nunca mais esqueço dessa cena. Descemos a serra conversando e quando chegamos, percebi que o auditório da Lusíadas estava lotado. Eu o apresentaria e perguntei: o que quer eu diga sobre você? Ele disse: eu sou professor. Anotei a palavra professor e perguntei: o que mais? Singer respondeu com outra pergunta: Precisa mais?”.

O professor Pascoal afirma que se trata de uma história simples, mas que fala muito do que ele era, da sua personalidade, por expressar a humildade que tinha e o orgulho de ser professor.

Em 26/10/2011 foi realizado em Itanhaém o I Seminário Metropolitano de Economia Solidária da Baixada Santista, com apoio da prefeitura daquele município e de outros da região, assim como da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral.

Participaram cerca de 200 pessoas e organizou-se uma feira de empreendimentos econômico solidários. A Unifesp-campus Baixada Santista esteve presente com alunos e professores, assim como indígenas de quase todas as aldeias da região, artesãs, agricultores familiares e representantes de outros tipos de empreendimentos.

A palestra principal foi ministrada por Leonardo Pinho, que, posteriormente, se tornou presidente da Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários (Unisol), e que já tinha proximidade com Paul Singer.

Entretanto, os eventos com a participação de Paul Singer a partir de 2013 representam um conjunto de fatos que se entrelaçam e contribuem para a construção do FESBS e age como fator de consolidação e criação de empreendimentos econômico solidários na região ao longo do tempo.

Neste ano, a Unifesp, por meio do Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Saúde Socioambiental (NEPSSA), dedicou-se a organizar ações voltadas para a EcoSol, com destaque para um seminário.

Segundo Jeffer Castelo Branco, “em 2013 tínhamos em construção um trabalho de conclusão de curso cujo tema era economia solidária. Esse estudo além de discutir bases da EcoSol na ação do assistente social na área, foi um dos starts para a criação da Incubadora de Sonhos. Neste processo se teve a ideia de fazer uma atividade que envolvesse o público alvo e a SENAES visando fortalecer e dar segurança aos financiadores e ver se a secretaria poderia ajudar nesse projeto. Então, planejamos o evento, e tivemos a grata felicidade de contar com ajuda daqueles que estavam caminhando na mesma direção e convidamos Paul Singer para o evento por meio da sua secretária”.

Dessa forma, em 07/06/2013 foi realizado no teatro Guarany, em Santos, o seminário intitulado “Desafios da Economia Solidária na Sociedade Brasileira”, tema da palestra que o Paul Singer ministraria às 14h30.

No horário marcado para a apresentação do Professor todos os assentos estavam ocupados. No entanto, devido a problemas no trânsito de São Paulo para Santos, Paul Singer chegou com duas horas de atraso, mas os presentes continuavam a lotar o teatro para ouvi-lo.

Após uma rápida exposição sobre o tema, estilo de Paul Singer, que afirmava que priorizava ouvir e debater, Andréa Ferreira, integrante da Lavanderia 8 de Março, situada em Santos, apresentou a questão sobre a dificuldade de os pobres terem acesso a crédito para iniciarem atividades econômica solidárias, pois muitas vezes estavam inadimplentes e, dessa forma, condenados a não saírem da situação em que se encontravam. O Professor não somente concordou com Andréia, como despertou o seu interesse em conhecer a Lavanderia 8 de Março.

Jeffer Castelo Branco avalia que “o evento serviu para o engajamento dos diversos atores num sentido único, isso foi muito importante. Sobre o atraso do professor em nada tirou o brilho de sua presença e de seu pronunciamento, que marcou muito a todos nós. Era o brilho que o Paul Singer naturalmente irradiava, não havia quem não se apaixonasse pela figura marcante, de paz, amor, sabedoria e acolhida que ele distribuía a todos e todas que o procuravam”.

Após o seminário, um grupo de profissionais da Unifesp foi jantar com Paul Singer. Na oportunidade, a gestora de políticas da prefeitura de Santos, que atua junto à Lavanderia 8 de Março, Marcia Reis, também estava presente.

O Professor quis saber mais detalhes sobre a Lavanderia e disponibilizou o seu cartão profissional para contatos futuros. Esse fato, que é aparentemente comum, ganhou expressivo significado, pois Marcia Reis se tornou o contato entre o embrião do movimento de EcoSol da Baixada Santista com Paul Singer.

A Unifesp realizou mais dois seminários sobre economia solidária entre o segundo semestre de 2013 e o primeiro de 2014. Esses eventos colocaram em relação diferentes atores sociais vinculados a atividades de EcoSol. Eles decidiram realizar, em 2014, o I Curso de Formação de Gestores de Economia Solidária da Baixada Santista organizado pela Câmara Temática de Agropecuária, Pesca e Aquicultura do Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana da Baixada Santista (Condesb).

Dessa forma, o embrião da rede sociotécnica de EcoSol que começou a ser formada na Unifesp, ganhava aliados com a participação de representantes das nove prefeituras da região, do governo estadual, da Funai e entidades de agricultores familiares no seio do Condesb. Essa ação foi deflagrada por um e-mail de 13/06/2013 que enviei para integrantes da Câmara Temática, pelo fato de coordená-la, e a pessoas que poderiam se interessar:

Prezados Colegas,

O Professor Paul Singer, titular da Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes), esteve em Santos no seminário “Desafios da Economia Solidária na Sociedade Brasileira”, promovido pela Unifesp. Nessa oportunidade, ele afirmou que a Senaes poderia ministrar um curso de formação de gestores em economia solidária para agentes das prefeituras e de outras entidades que indicássemos. Assim, no dia 20/06/2013, às 14 h, na sede da Agência Metropolitana da Baixada Santista (Agem), haverá reunião da Câmara Temática de Agropecuária, Pesca e Aquicultura do Condesb para debater a possibilidade de solicitarmos o referido curso para as prefeituras da Região Metropolitana da Baixada Santista, conteúdo desejado e local (ais) de realização.

A participação da gestora Marcia Farah Reis na reunião junto com José Pascoal Vaz, mesmo ambos não integrando oficialmente a Câmara, foi determinante pelo fato de enriquecerem a ementa do curso e convidarem Paul Singer e Ladislau Dowbor para serem palestrantes no curso que se construía, mesmo sem qualquer recurso financeiro de órgão oficial.

No dia 21/03/2014 o Professor Paul Singer ministrou a aula inaugural do curso com o tema “Economia Solidária: realidade e perspectivas”.

Decidiu-se que seria uma atividade aberta a alunos e outros interessados. Assim, cerca de 300 pessoas lotaram o auditório da Universidade Católica de Santos para assistir ao professor. Como a apresentação se deu às 19h30, a gestora Marcia Reis o convidou para conhecer a Lavanderia 8 de Março no período da tarde.

No entanto, Paul Singer participou de uma reunião com as integrantes do empreendimento (foto que ilustra o texto) para melhor conhecê-lo. Para ele, as reuniões realizadas por integrantes de empreendimentos econômico solidários são verdadeiras assembleias que decidem de forma democrática a sua gestão.

Concomitante à realização do I Curso de Formação de Gestores de Economia Solidária da Baixada Santista foi realizado em Santos, no campus da Unifesp, nos dias 28 e 29/03/2014, a Conferência Regional de Economia Solidária do ABCDMRR e Baixada Santista.

Este evento ocorreu em todo o país por regiões e, posteriormente, havia as etapas estaduais e nacional. Na época, o território do Fórum de Economia Solidária não se limitava à Baixada Santista e abrangia municípios da Grande São Paulo também.

A organização deste evento mobilizou diversas instituições governamentais e não governamentais das duas regiões, como a própria Unifesp, prefeituras e o Fórum da Cidadania de Santos. Cerca de 350 pessoas representando 75 empreendimentos econômico solidários estiveram presentes por dois dias debatendo e votando em propostas que tinham o objetivo de construir um “Plano nacional da economia solidária para promover o direito de produzir e viver de forma associativa e sustentável”.

Posteriormente, pela primeira vez, delegados da Baixada Santista eleitos na conferência participaram das etapas estadual e nacional. Paul Singer não esteve presente na etapa regional da conferência, mas participou das etapas estadual, realizada em São Bernardo do Campo, e da nacional, em Brasília. 

Logo após a referida conferência regional, houve o encerramento do I Curso de Formação de Gestores da Baixada Santista, que se deu no dia 04/07/2014, na Fortaleza da Barra no Guarujá.

Paul Singer foi convidado, mas não pode comparecer por estar em Lisboa representando a Senaes em um evento. No entanto, esteve presente na entrega dos certificados no dia 22/08/2014, que coincidiu com a reunião que debateu a criação do FESBS. Consta na memória do evento:

A reunião foi realizada pelos participantes do Curso de Formação de Gestores em Economia Solidária no dia da entrega dos certificados de conclusão, que teve a presença do titular da Secretaria Nacional de Economia Solidária, Professor Paul Singer. Os objetivos da reunião foram definir ações que viabilizem a construção do Fórum de Economia Solidária da Baixada Santista e o Plano de Apoio e Desenvolvimento da Economia Solidária na Baixada Santista. Definiu-se que há a necessidade de elaboração de um regimento interno e manifesto de criação do Fórum, assim como uma proposta de criação de uma rede profissional vinculada ao Fórum, de apoio à EcoSol. Enfatizou-se que é necessário ressaltar o apoio e respeito aos povos tradicionais que vivem na Baixada Santista. Esses documentos serão debatidos”.

A criação do Fórum de Economia Solidária da Baixada Santista independente da região do ABCD era parte de um processo de amadurecimento dos militantes da Baixada, provocados pelo curso que foi realizado e pela conferência. Representava, portanto, um passo adiante na organização do movimento de EcoSol na região e foi estimulado pelos militantes do ABCD, como Noé Carvalho e Adolfo Homma.

Após a entrega dos certificados do curso, aproveitando a presença do professor em Santos, foi organizado um almoço com o secretário de desenvolvimento econômico do município de Itanhaém, Eliseu Braga Chagas, e gestores de políticas públicas dos municípios da região e Funai.

No mesmo dia, Paul Singer, acompanhado pelo ex-deputado Koyu Iha, então do PSDB, e por mim, foi recebido em reunião pelo prefeito de Santos, Paulo Alexandre Barbosa.

O Professor propôs ao prefeito o estabelecimento de convênio entre a Senaes e a prefeitura de Santos e a criação de uma política pública municipal de apoio à EcoSol, com a instalação de um centro de referência para atendimento à população em espaço próximo à Lavanderia 8 de Março, onde as pessoas interessadas em conhecer o funcionamento de um empreendimento econômico solidário poderiam fazê-lo acompanhadas de gestores, com metodologia educativa.

Afirmou, ainda, que gostaria de elaborar um projeto para implantar o modelo da Lavanderia 8 de Março em vários locais do Brasil.

O prefeito de Santos aprovou de imediato a proposta de implantação de uma política pública municipal de EcoSol e reverenciou o professor. Após, Koyu Iha solicitou a palavra e afirmou: “Prefeito, faz de conta que estamos sozinhos, que o Paul Singer e o Newton Rodrigues não estão nesta sala, e te afirmo com convicção que o PSDB não tem um programa de inserção socioeconômica. Então, o que eles propõem é bom para a população e para o partido”.

Paulo Alexandre Barbosa concordou de imediato. No entanto, não implantou a política pública de apoio à EcoSol como prometera em reunião e jamais voltou a abordar o assunto.

Paul Singer tinha a preocupação de conversar com todos os governantes e, após aquele encontro, afirmou que era de grande importância estabelecer diálogo com os representantes do PSDB sobre economia solidária para que essa forma de organização da economia não estivesse vinculada somente ao Partido dos Trabalhadores como política pública. Caso contrário, os avanços poderiam ser limitados. 

A criação do FESBS se deu no dia 13/03/2015, no Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Guarujá, com a presença de Paul Singer, que ministrou a palestra “Economia Solidária e Desenvolvimento Local”.

Neste dia, o Professor enfatizou a necessidade de conversar com os prefeitos e explicar as vantagens do endodesenvolvimento, ou seja, da criação de políticas públicas de apoio às iniciativas socioeconômicas de valorização dos talentos, conhecimento e habilidades da população local e não empenharem tempo com o exodesenvolvimento, que consiste na implantação de empresas externas ao município que comumente são atraídas por incentivos fiscais, geram um punhado de empregos e não promovem inclusão socioeconômica ampla.

A então prefeita Maria Antonieta de Brito, filiada ao PMDB, esteve presente ao evento e reverenciou Paul Singer. O professor presenciou a leitura e debate do regimento e manifesto de criação do FESBS, que foram elaborados de forma coletiva, mas com destaque para Luciana Melo, então na prefeitura de Itanhaém, e Celio Nori, do Fórum da Cidadania de Santos, respectivamente, que coordenaram os trabalhos.

Em 12/03/2016, Paul Singer retornou à Baixada Santista para o lançamento do Fórum Municipal de Economia Solidária de Peruíbe, evento organizado por Eduardo Ribas.

Como de praxe, um veículo foi buscá-lo, acompanhado de um militante do movimento de EcoSol, agora representado pelo FESBS.

Durante a viagem, Ubiraci Loureiro Sarzedas, gestor na prefeitura de Mongaguá, teve a oportunidade de acompanhar o Professor.

Cerca de 100 pessoas ouviram Paul Singer abordar a história da economia solidária na sede da Comunidade Cristã. Em sua apresentação, o Professor citou a importância de Robert Owen na luta pelos direitos dos trabalhadores e construção de empreendimentos autogestionários no final do século XVIII até a metade do século XIX e afirmou que se tratava do primeiro socialista da história.

Após a palestra do Paul Singer, que foi antecedida por uma exposição do Adolfo Homma, na praça Flórida, os indígenas da aldeia Tabaçu Reko Ypy fizeram uma linda apresentação cultural.

Encantado com o que apreciava, o professor comentou que os povos tradicionais são os precursores da EcoSol. Junto, foi organizada uma feira de empreendimentos de gestão familiar e da EcoSol.

Infelizmente o Fórum de Economia Solidária de Peruíbe não se consolidou, devido à integração dos seus militantes ao FESBS e a EcoSol viu a luz no município posteriormente, com a emergência de coletivos de agricultores familiares, artesãos e prestadores de serviços.

A última visita profissional de Paul Singer à Baixada Santista se deu em 20/05/2016, na Unesp de São Vicente, na aula inaugural do curso Turismo de Base Comunitária, coordenado pelo professor Davis Gruber Sansolo. O site da universidade informava:

Começa dia 20 de maio o curso Economia Solidária e Turismo de Base Comunitário na Baixada Santista. Trata-se de uma iniciativa da parceria entre o Laboratório de Planejamento Ambiental e Gerenciamento Costeiro (Laplan), do Instituto de Biociências do Câmpus do Litoral Paulista (IB/CLP) da Unesp de São Vicente e o Fórum de Economia Solidária da Baixada Santista. A abertura, às 14 h, será com o professor Paul Singer, ex-Secretário Nacional de Economia Solidária”.

O Professor já não era mais o titular da Senaes, pois pedira exoneração do cargo com o golpe jurídico-parlamentar contra a presidenta Dilma Roussef. No entanto, continuava a apoiar as atividades de EcoSol na Baixada Santista.

Neste dia, ocorreu um fato que a todos emocionou. Antes de rumarmos para o campus da Unesp, almoçamos com o Professor em um restaurante de São Vicente. Ao final, ele foi reconhecido por um grupo de estudantes de serviço social. Assim, se fez uma fila para uma verdadeira sessão de fotos individuais. Todos queriam abraçar o Professor e ter a lembrança de que um dia esteve com Paul Singer.

Na Unesp, em sua palestra, abordou a importância de as universidades terem incubadoras de empreendimentos de EcoSol. Fez uma analogia em que afirmou que para um pintinho sair do ovo e se tornar adulto precisa haver antes a incubação, etapa indispensável para o seu nascimento, crescimento e conquista da independência, da emancipação.

Este curso foi concluído no dia 31/08/2016 com a apresentação do planejamento do turismo de base comunitária em diversas comunidades elaborado por seus integrantes com apoio técnico, como: aldeia Paranapuã, aldeia Tangará, Barra do Una, Despraiado, Morros de Santos, Caruara, aldeia Aguapeú, aldeia Tabaçu Reko Ypy, aldeia Piaçaguera, área rural de Peruíbe, aldeia Itaóca Guarani, aldeia Itaóca Tupi, aldeia Tekoá Mirim, Santa Cruz dos Navegantes e Prainha Branca. Enfim, o turismo de base comunitária passou a ter referências teóricas e operacionais com fundamentação na EcoSol em escala regional, visto que as comunidades estão inseridas em diferentes municípios.

Os últimos contatos dos militantes do FESBS com Paul Singer foram de homenagem e agradecimento, visto que acometido pela doença de Alzheimer sentia a memória falhar, mas mantinha a mesma postura atenciosa, com o olhar que expressava a necessidade de compreender as posições e argumentos dos seus interlocutores. Era o Professor quem estava ali.

A primeira homenagem feita a Paul Singer partiu de uma conversa que tive com a Marcia Reis. Eu a convidei para visitarmos, no dia 06/05/2017, a Feira Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), no Parque da Água Branca, em São Paulo, e informei que haveria uma mesa de debates imperdível, com o tema “Alimentação Saudável: um direito de todos e todas”.

Estariam presentes o ex-presidente do Uruguai, José Mujica; João Pedro Stédile, Letícia Sabatela, Bela Gil e Alexandre Padilha. Marcia Reis reagiu como uma pergunta: Por que o Paul Singer não está nesta mesa de debates? A partir deste momento, Marcia fez contato com a direção do MST e com a família do professor para obter orientação sobre a sua participação.

Entre a entrada do Parque da Água Branca e o palanque onde haveria a mesa redonda, muitas pessoas saudavam o professor e queriam fazer fotos ao seu lado.

Marcia Reis relata que “na feira do MST, quando chegamos, o Professor não conseguia chegar ao local do evento, pois todos os trabalhadores o saudavam, queriam lhe dar a mão, abraçar e ele estava muito feliz. Todos eram muito íntimos, se conheciam devido a todas as visitas do professor ao MST”.

Ao sentar na mesa, já com todos os palestrantes acomodados, foi saudado por João Pedro Stédile como um grande inspirador da organização do MST. Depois, os milhares de presentes cantavam em uníssono: SINGER, GUERREIRO, DO POVO BRASILEIRO! A emoção tomou conta de todo o ambiente, de todos nós.

A segunda homenagem a Paul Singer partiu da ex-prefeita de Santos e vereadora Telma de Souza (PT), ao apresentar a propositura à Câmara Municipal de Santos para conceder ao Professor a maior honraria da cidade, a Medalha de Honra ao Mérito Braz Cubas.

A homenagem seria realizada em 29/08/2017, com a presença do Professor. No entanto, com o agravamento da sua doença houve o adiamento e, no dia 16/04/2018, Paul Singer se encantou. Afinal, segundo Guimarães Rosa, as pessoas não morrem, ficam encantadas.

A homenagem foi entregue à sua filha, a educadora Helena Singer, no dia 04/05/2018, em sessão da Câmara Municipal, com grande presença de militantes do movimento de economia solidária e de diferentes partidos políticos.

Paul Singer, devido ao seu encantamento, não viu a criação do Coletivo Feminista EcoSol Mulher do FESBS, não presenciou a emergência das redes de economia solidária de Peruíbe, Itanhaém, Mongaguá, Bertioga, a consolidação da EcoSol no bairro Cota de Cubatão, não esteve presencialmente na realização das duas edições do Fórum Social da Baixada Santista, não participou das diversas atividades de formação e assessoramento ministradas pelo FESBS e da implantação do Núcleo da Economia de Clara e Francisco na Baixada Santista.

Não conheceu a Rede Livres de Produção e Consumo Consciente ou a produtora autogestionária Sirifilma da Vila dos Pescadores de Cubatão. Porém, em todas essas atividades e projetos o seu pensamento foi o fio condutor da construção das redes sociotécnicas que viabilizaram as ações.

A relação do Professor com a Baixada Santista foi de grande proximidade. Por quatro vezes acompanhando José Pascoal Vaz, ex-aluno do Professor no curso de doutorado na USP, e Marcia Reis, almocei na casa do Paul Singer, sendo que uma delas com a presença de Ladislau Dowbor.

Era uma alegria poder conviver por uma tarde inteira com o Professor, abrir a nossa sacola de dúvidas teóricas e operacionais e poder consultá-lo. Muitos temas eram abordados, como por exemplo a importância de Karl Marx, Rosa Luxemburgo, Karl Polanyi e Marcel Mauss para a compreensão da sociedade.

Maria José Fernandes, assessora do professor na Senaes, já identificava a voz da Marcia Reis quando fazia os contatos para convidá-lo para nossas atividades, o que nunca foi recusado. Informava, inclusive, que o Professor ficava muito feliz quando recebia convite para vir aos municípios da Baixada.

Na última visita à sua casa, três meses antes do seu encantamento, vimos vídeos de palestras do Professor pelo celular, conversamos sobre alguns aspectos da EcoSol. A sua memória já dava sinais mais claros de que falhava. Em nossa despedida, foi até à porta e nos disse: “A minha alegria é saber que vamos nos encontrar novamente”.

À noite, seus filhos André, Susana e Helena foram jantar com o pai. Paul Singer comentou com os filhos que o pessoal da economia solidária da Baixada Santista e da Lavanderia 8 de Março o visitaram naquele dia. A memória afetiva do Professor estava viva.

Neste período em que os movimentos sociais são atacados pelos governos federal e do estado de São Paulo, sempre penso como o professor reagiria. Talvez, analisando os resultados dos trabalhos dos militantes do Fórum de Economia Solidária da Baixada Santista, falasse com o seu otimismo sempre presente: “Está ótimo, é isso que tem que ser feito, prossigam”.

Muito obrigado, Professor Paul Singer!

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Folha Santista

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