É impossível esquecer o dia 17 de setembro do ano de 2017. As imagens que ilustram esse artigo foram feitas na ocasião e retratam um pouquinho de tudo que rolou dentro e fora do bar. Foi um dia longo, mágico, repleto de cumplicidade, reconhecimento e muita emoção. Um dia que proporcionou encontros e despedidas que anunciavam a saudade de um tempo feliz e muito bem vivido!
Durante todo o dia, muitos casais fizeram questão de levar seus filhos para conhecer o cenário do primeiro encontro de seus pais. Tenho orgulho de a nossa trajetória ter contribuído de alguma forma para unir gente de alma e espírito parecidos.
Nesse último dia teve fila na porta desde 16 horas, horário que excepcionalmente abrimos o bar. Foram mais de 600 pessoas que se revezaram pra curtir a longa e derradeira programação daquele palco histórico. Muita gente não conseguiu entrar, mas fez questão de passar por lá pra deixar o carinho registrado em nossa memória.
A música terminou quase às 5 horas da manhã com o palco lotado de músicos, que juntos cantaram a canção que finalizava a programação de quase todos os domingos – Highway to hell – da banda australiana AC/DC.
Beijos apaixonados, abraços apertados, celebrações e brindes à amizade, declarações de amor àquelas paredes e muita choradeira. Foi assim durante todo o tempo, que parecia não passar. Minha vontade era acordar desse sonho maluco e escrever sobre tudo que vivi nesse dia estranho.
O Torto era um lugar único, reunia gente descolada, pulsante e disposta a ouvir boa música. Um bar que resistiu aos modismos e jamais permitiu a prática de qualquer tipo de discriminação. Acho até que o nosso clube da esquina ajudou a curar muita gente dos seus preconceitos.
Nossa preocupação maior sempre foi com a música. Era no palco que servíamos o prato principal do cardápio. Talvez venha daí a tolerância a tantos outros defeitos que todos nós sabíamos que o lugar tinha – era apertado, quente e sem conforto. Porém, a diversão era garantida e os nossos ouvidos nunca se decepcionavam.
Mesmo convencido que em tempos de pandemia nossa situação estaria mais uma vez complicada, até hoje ainda não me recuperei dessa ausência na minha vida. Cada vez que leio sobre algum comércio tradicional encerrando suas atividades, sinto a mesma dor e lembro-me de uma frase do escritor “Xico Sá” – que tem tudo a ver e nunca mais saiu da minha memória – “O fechamento de um bar é uma queima de arquivo”.
A vida noturna me proporcionou uma experiência única e um aprendizado diferente dos padrões estabelecidos pela sociedade. Carrego comigo a bagagem que só o sereno pode oferecer – histórias, confidências, amores, amizades e vivências que vão me acompanhar por toda vida.
A lição que fica de tudo isso é: às vezes, o que a princípio parece falta de sorte, um erro ou pesadelo, nada mais é do que a vida te propondo uma mudança necessária. Quando um ciclo se encerra, nossas amarras se soltam e naturalmente surgem novas oportunidades.
Quando tudo isso acabar, voltaremos com nossas festas eventuais. Enquanto isso, continuamos com os eventos beneficentes e colaborativos através de nossas redes sociais, que estarão sempre à disposição dos artistas e das causas nobres da nossa cidade.
Nesse próximo domingo haverá uma live solidária em prol da cantora “Xandra Joplin” que, assim como muitos outros, tem enfrentado dificuldades para sobreviver durante esse período de pandemia. Segue o link para quem quiser prestigiar e puder contribuir com o couvert artístico que será 100% revertido para cantora.
Sigo meu caminho com o compromisso de manter vivo o legado dessa história que marcou a vida de muita gente. Temos a promessa da gravação de um filme sobre o bar e o meu desejo é publicar um livro que revele casos e experiências vividas por nós – músicos, funcionários, amigos (as), clientes, frequentadores assíduos e apaixonados por esse cantinho inesquecível – onde eu tenho a certeza de ter construído boas e sinceras amizades.
Um brinde à toda Família Torto!
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Folha Santista