Em 2005, integrantes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) que participavam do governo municipal de Santos, apresentaram a proposta para criar uma lavanderia no Centro da cidade, cujo objetivo era que as moradoras tivessem um local para poderem lavar suas roupas.
A pertinência da realização do projeto proposto é evidente. Porém, a proposta de implantação de um equipamento para as moradoras lavarem as suas próprias roupas teria caráter paliativo, pois resolveria um problema específico e não aportaria inclusão socioeconômica, ou seja, mudança estrutural, considerando a criação de postos de trabalho e geração de renda.
Em 2006, após uma avaliação das necessidades e impactos desejados, o projeto mudou. A Secretaria de Desenvolvimento Social (SEDS) da prefeitura de Santos, em conjunto com a União Brasileira de Mulheres (UBM), reescreveram o projeto e a lavanderia deveria ser um empreendimento econômico solidário.
Houve a captação de R$ 50 mil em atendimento a um edital da Petrobras. Estabeleceu-se uma parceria entre a prefeitura Municipal de Santos, por meio da Secretaria de Desenvolvimento Social (SEDS), a União Brasileira de Mulheres (UBM) e a Petrobras – Programa Remar (Refinaria Presidente Bernardes).
A SEDS e a UBM disponibilizaram duas gestoras, uma de cada órgão, que eram responsáveis pela elaboração do projeto e acompanhamento das atividades e objetivavam o aprimoramento e crescimento profissional das mulheres que participariam da lavanderia.
Deveriam trabalhar para fortalecer a participação ativa das mesmas na gestão do projeto, proporcionando transparência e monitoramento das ações.
É importante ressaltar que a sua implantação se deu após amplo debate com moradoras locais e representantes de entidades, como Universidade Católica de Santos, Observatório da Mulher, Fórum da Cidadania de Santos, Prefeitura Municipal de Santos, União Brasileira de Mulheres, Sindicato dos Operários Portuários de Santos e Região e Sindicato dos Trabalhadores Administrativos em Capatazia, nos Terminais Privativos e Retroportuários e na Administração em Geral dos Serviços Portuários do Estado de São Paulo.
A inauguração da Lavanderia 8 de Março se deu em janeiro de 2009, após o término das licitações para aquisição dos equipamentos, bem como definição do local para instalá-la. Houve a consolidação da evolução de um equipamento, que seria de treinamento de mulheres, com o objetivo de higienizar roupas para um empreendimento econômico solidário.
Desde então, a Lavanderia 8 de Março passou a ser uma referência para os demais municípios da Baixada Santista e de outras regiões, por ser uma inovação como política pública de inserção socioeconômica e por sua forma de organização, que sempre desperta interesse em governantes, gestores de políticas públicas e integrantes de outros empreendimentos e de pessoas vinculadas ao movimento de economia solidária.
Como exemplo pode-se citar a Lavanderia Lav Paty Solidária de Guarujá, que foi organizada com apoio integral, técnico e organizacional, das integrantes da Lavanderia 8 de Março. As suas integrantes fazem reservas para a compra de insumos, reparos nas máquinas, abono de Natal – nos empreendimentos de economia solidária não há salário, por isso não se utiliza o termo décimo terceiro – e emergencial. Este último as mantém neste momento difícil de afastamento social em que a demanda de serviços caiu de forma acentuada em todas as áreas.
A Lavanderia 8 de Março é um empreendimento que mobiliza recursos monetários, de origem não mercantil, caracterizados pelo apoio da prefeitura com o pagamento do aluguel do local, água e energia elétrica; recursos mercantis que estão relacionados com os valores cobrados pelos serviços de higienização de roupas dos clientes e aqueles não monetários e não mercantis, que são os esforços de voluntários para apoio à gestão do empreendimento.
Como exemplo pode-se citar o plano de negócios da lavanderia, que foi elaborado por um voluntário, e as várias atividades de formação técnica e organizacional as quais participaram as integrantes da lavanderia, que tem o mesmo caráter.
Além disso, vereadores do PT e do PSDB, como Telma de Souza e Cacá Teixeira, respectivamente, já destinaram verbas parlamentares para a compra de insumos e maquinários. Trata-se, também, de recursos monetários de origem não mercantil.
A economia solidária exige a combinação de recursos de diferentes origens para a sua viabilização. A sua assimilação como política pública é de fundamental importância para estruturar os empreendimentos econômicos solidários e promover resultados satisfatórios, como ofertar produtos e serviços de boa qualidade, gerar postos de trabalho e renda.
O voluntariado também exerce um importante papel no apoio, pois comumente é integrado por aqueles que apoiam o trabalho associado, ou seja, sem patrão.
A Lavanderia 8 de Março é um exemplo de como a prefeitura municipal de Santos pode atuar para gerar postos de trabalho e renda, principalmente em uma região empobrecida como o Centro da cidade.
Durante a campanha eleitoral de 2020, muito se falou da decadência socioeconômica daquela região e algumas ideias mirabolantes foram apresentadas. No entanto, um exemplo concreto existe e pode ser fortalecido e reproduzido, contemplando outras atividades por toda a cidade para a geração de postos de trabalho e renda.
É importante ressaltar que nem todas as pessoas se adaptam ao trabalho associado. Aquelas mulheres que não conseguiram continuar na lavanderia, trocaram o trabalho cooperado pelo individual. Compraram máquinas de lavar, ferros e deram prosseguimento ao trabalho nas suas casas, pois percebiam que estavam capacitadas e este tipo de trabalho lhes gerava renda e permitia que estivessem próximas das suas famílias. Outras, abriram pequenos negócios em suas residências, pois já se sentiam seguras para administrar o empreendimento.
Observa-se, entretanto, que as ex-integrantes sempre visitam a lavanderia, pois os laços de proximidade são mantidos e os ensinamentos técnicos têm continuidade, com o compartilhamento das inovações que são adotadas.
A experiência da Lavanderia 8 de Março mostrou que as mulheres necessitam de autonomia, mas precisam do apoio de políticas públicas. A situação econômica do país não contribui para que a renda gerada seja como aquela verificada antes do afastamento social, o que se acentua a necessidade de participação do poder público no apoio a projetos de economia solidária. É este empreendimento que mantém as famílias das sete integrantes.
A transformação da vida das participantes é notória. Saíram da linha da pobreza e extrema pobreza para uma renda de cerca de quase dois salários mínimos mensal e com possibilidades reais de aumento. Essas mudanças ensejaram muitas outras. Passaram a se cuidar melhor, implicando no aumento da autoestima, valorizando-se por ter função definida e endereço de trabalho quando se apresentam.
A participação coletiva deu-lhes segurança e sentimento de solidariedade, com a possibilidade de abertura de conta bancária e até utilização de cartão de crédito. O resultado desse trabalho veio a aumentar a autonomia dessas mulheres que hoje tomam decisões importantes, têm seus direitos e obrigações afloradas, se sentiram valorizadas enquanto mulheres e trabalhadoras, enfim, o empoderamento transformou suas vidas.
A Lavanderia 8 de Março mostra que a solidariedade em forma de reciprocidade da economia solidária deve ser integral, seja da prefeitura com as integrantes, entre elas e delas com os clientes, que também são solidários.
Há ainda a solidariedade que é exercida quando atendem pessoas em situação de rua que não podem pagar pelo serviço. Neste caso, a solidariedade é em forma de dádiva secundária, como afirma Jacques Godbout em seu livro O Espírito da Dádiva. A retribuição certamente é feita no seio da sociedade por aquele que um dia recebeu solidariedade.
Em visita à Lavanderia 8 de Março e, posteriormente, ao prefeito Paulo Alexandre Barbosa, o Professor Paul Singer, na época secretário nacional de economia solidária, afirmou que esta política pública de inserção socioeconômica deveria se transformar em uma referência nacional.
A Lavanderia 8 de Março funciona à Rua Amador Bueno, 309 – Centro, Santos – SP. Tel: (13) 3221-7717.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Folha Santista