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Chico Buarque, um samba tão imenso que o tempo parou pra ouvir – Por Julinho Bittencourt

Cantor, compositor e escritor chega aos 80 anos com uma obra primorosa que o coloca no patamar do mais importante artista vivo do país

Linha do Tempo de Chico Buarque - Fotos: Divulgação/Ricardo Stuckert/Montagem

Chico Buarque, e já disse isso por aqui, chega aos 80 anos como o maior artista vivo do Brasil. Sua obra é enorme em todos os sentidos. São centenas e centenas de canções maravilhosas, dezenas de livros excelentes, peças de teatro, shows, filmes, enfim, uma vastidão sem fim. Um verdadeiro documento do que tem sido a nossa vida das últimas décadas. É impossível imaginar o Brasil sem Chico e, mais ainda, contar a nossa história sem recorrer à sua obra.

Posto isto, a sua postura como pessoa pública é absolutamente sóbria, discreta. Chico nunca se fantasiou, nunca fez pose de espécie alguma e, mais ainda, nunca expôs sua vida em público. Ninguém jamais viu sua casa, família, seus móveis, piscina (se é que tem alguma), namoradas, carrões (se é que os tem) e que tais em revistas de fofocas. Ninguém jamais ouviu fofocas a seu respeito que não fossem devidamente processadas na Justiça.

Chico foi casado duas vezes. E as duas esposas passam longe de serem “esposas do Chico Buarque”. As duas atendem por nome e sobrenome graças ao imenso talento que carregam. A primeira é a grande atriz Marieta Severo e a segunda e atual é Carol Proner, uma das maiores juristas do Brasil. Nenhuma delas jamais viveu à sombra do artista. São mulheres que carregam junto de si o próprio lugar ao sol.

Sem Marketing

Chico, portanto, é o maior artista do Brasil sem recorrer aos truques de marketing. Tudo o que o cerca, desde o início, quando ainda era aquele garoto tímido de “A Banda”, em 1966, é absolutamente espontâneo. Brinca que quando os baianos apareceram descabelados com aquelas roupas estravagantes nos festivais, ele não havia sido avisado. E foi se apresentar, como era o antigo combinado, de smoking.

É dono de uma obra notável, genial e muito, mas muito engajada politicamente. Nunca se furtou a comentar, tanto em suas canções e livros quanto em entrevistas, a vida política brasileira. E pagou caro por isso. Foi para a Itália pra ficar algumas semanas e acabou recebendo o recado do amigo Caetano Veloso que teria que ficar por lá, do contrário seria preso pela ditadura.

De Roma, mandou a canção “Apesar de Você”, um samba dirigido aos generais de plantão da época, que só perceberam o recado depois que o disco estava nas ruas e mandaram recolher tudo. Na volta, gravou o antológico disco “Construção”, uma obra-prima única que o consagrou definitivamente como artesão máximo da nossa canção, um letrista deslumbrante e, de quebra, chamou a atenção para um problema seríssimo: o excesso de acidentes de trabalho.

Chico seguiu em frente fazendo seus discos, livros e espetáculos teatrais. Enfrentou a censura com vários truques. Entre eles, inventou um personagem para assinar as canções no lugar do seu nome, marcado pelos censores: Julinho de Adelaide. Com ele, conseguiu lançar duas canções antes de ser descoberto. “Jorge Maravilha”, feita para um delegado que, após inquiri-lo pediu um autógrafo para a filha que era sua fã: “você não gosta de mim, mas sua filha gosta”; a outra a excepcional “Acorda, amor”, que retrata um preso político que é arrancado de madrugada de casa pela polícia da ditadura.

Cada vez mais rebuscado

Na volta ao Brasil, e com a redemocratização, seguiu compondo uma obra cada vez mais rebuscada, elaborada. Fez a canção “O que será”, para o filme “Dona Flor e seus Dois Maridos”, de Bruno Barreto, baseado na obra homônima de Jorge Amado. A melodia, com três letras diferentes, ganhou várias gravações. Duas delas em dueto com Milton Nascimento. Uma no disco “Meus Caros Amigos”, de Chico, e outra no “Clube da Esquina 2, de Miton. “O que Será” entrou em várias das listas das melhores do século XX.

No mesmo período, fez ainda “Eu te Amo”, com Tom Jobim e, para a trilha do Balé Guaíra, de Curitiba, lançou, entre outras, mais uma obra-prima: “Beatriz”, cantada no álbum lindamente por Milton Nascimento.

Lançou também vários romances e peças, entre eles “Fazenda Modelo”, “Estorvo”, “Benjamin”, “Budapeste”, “A Ópera do Malandro”. Venceu duas vezes o prêmio Jabuti e também o Camões, uma honraria instituída em 1988 pelos governos do Brasil e de Portugal para estreitar os laços culturais entre os países lusófonos.

Chico segue produzindo e muito bem. Em 2017, lançou o álbum “Caravanas” e, no ano seguinte, “Caravanas ao Vivo”. Em 2021, lançou o livro de contos “Anos de Chumbo”. Circulou o país com um espetáculo que foi lançado no disco de 2023, “Que tal um Samba? (Ao Vivo)”, com participação da cantora Mônica Salmaso.

Chico Buarque chega aos 80 anos sem dar a menor pinta de que pretenda se aposentar. Se casou com Carol Proner há três anos, prossegue batendo sua bolinha e, assim como sua obra, desafiando o tempo.

Assim, como disse acima, Chico segue sendo o maior artista vivo do Brasil, sem demérito a nenhum outro. Apenas levando em conta o conjunto da obra: Um samba tão imenso que o próprio tempo parou pra ouvir.

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