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A poesia é o que eu tenho de mais bonito

Esta coluna de Kamila Drieli é uma poesia: “Estou imersa no meu novo livro, dando vazão aos meus rios inteiros, revoltos e cheios, transbordando em palavras para escoar o que sinto”

Foto: Kamila Drieli

A coluna de hoje é diferente. A poesia me atinge de forma impossível de explicar e, ainda que eu tentasse, sei que seria vã a tentativa de traduzir exatamente como os versos, linha após linha, me atravessam.

Nos últimos dias estou imersa no meu novo livro, escrevendo muito, dando vazão aos meus rios inteiros, revoltos e cheios, transbordando em palavras para escoar o que sinto. A coluna de hoje é uma poesia, porque a poesia é o que eu tenho de mais bonito.

“CHUVA”

eu abro os olhos e ouço a chuva cair

o mundo não dormiu comigo

ninguém dormiu

levanto da cama e faço café

vejo as gotas repousando sobre uma folha verde

as folhas devem apreciar a chuva

a água desenha uma joia

me imagino vestida com as mesmas gotas

sinto pena da humanidade

minha mente me engana

eu resisto e choro

chove lá fora

chove dentro de mim

ontem eu lhe confidenciei um segredo

hoje a natureza me chama de volta

já não lembro para onde regressar

sequer sei o que virá a seguir

curva

me emociona uma poesia

cada verso uma sentença completa

cada sentença uma mudança de comportamento

cada comportamento uma resposta

o mundo em colapso

meu peito fracionado como uma barra de chocolate

invisíveis lembranças dançam no ar

meus dedos não sabem mais como tocar

à frente vejo a extensão de mim

como uma promessa de um bem-estar futuro

como um pacto de amor eterno

eu sinto medo e me abraço

embaixo do cobertor me sinto mais segura

o sal desce e minha boca seca

minha cabeça flutua e eu durmo

corro rápido

entro numa piscina iluminada

a lua brilha e me sinto só

os espelhos me enganam

me contam coisas que não tenho certeza

duvido da minha sanidade

me comparo

me humilho

mas continuo em mim

todas as vezes que eu não sabia o que fazer

foi você quem segurou a minha mão

foi você que acariciou minha face e prometeu em cada toque

que tudo ficaria bem

o que seria tudo?

quem seria?

vislumbro um passado remoto e me orgulho da história

sou um sonho selvagem

uma alma revestida de carne e ossos

todos os anseios das minhas ancestrais correndo em minhas veias e artérias

toda a força

todo o ódio

a motriz que me carrega pela mão

uma flor nasce

uma criança chora

um tuiuiú voa sobre o pantanal ao pôr do sol

é tudo uma benção

mesmo as infinitas facas que te perfuram agora

e cada buraco aberto é um novo convite para a luz do sol

e a evolução que nos cobra revolução

os fins que não justificam os meios

os amores deixados para trás

quem saberia o que fazer na mesma situação?

quantas formas de tomar a mesma atitude existem no dicionário?

o impacto do nosso confronto ainda resiste em minha pele nua

eu ainda ando pelas ruas sem saber quem me guia

ando pela vida sem certezas do destino

as ruas e a vida me olham com escárnio

as ruas e a vida lascivas e impiedosas

como se menosprezassem meus receios

como se soubessem que eu sou capaz quando nem eu mesma ouso saber

me sentia antes desprendida

agora me vejo ciosa

inclinada a um cenobitismo que não me cai bem

fugindo dos meus impulsos e me encaixando em lugares pequenos demais

pobre criatura encolhida num canto

me dá a mão

levanta, alonga as costas

observa com olhos de águia os teus poros

deixa pra lá um pouco dessa tristeza

permita paz pro teu coração

nada é peremptório

nem o medo nem a solidão.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do Folha Santista

Escritora, mãe, mulher e formada em Biologia Marinha. Na infância, lia livros de fantasia. Com o passar do tempo, a escrita se tornou essencial. Seu primeiro livro – “A Portadora da Luz” – está disponível na Amazon. Hoje, ela usa diferentes meios para se expressar: música, desenho, poesia e fotografia.
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